Wayne Smith: “Cuba não aceitará condições por tão pouco”
Wayne Smith, um especialista em questões cubanas, enviado a Havana como diplomata, viu a Revolução e Fidel Castro entrar na capital em 1959. Assessor de John Kennedy, enviado de Carter e hoje diplomata veterano, ele explica os limites de abertura e o “irr
Publicado 30/04/2009 16:12
Smith conhece Cuba e os cubanos como poucos americanos. Ele esteve lá durante a Revolução de 1959, viu a entrada triunfal de Fidel Castro em Havana e teve que fazer suas malas e sair da ilha em 1961, quando Washington rompeu relações com o governo cubano.
Wayne Smith era então um jovem diplomata que começava a aprender o ofício das relações internacionais. Depois de 50 anos de pensando e repensando o conflito, o ex-diplomata, de 76 anos, se tornou uma fonte obrigatória para aqueles que hoje discutem, em Washington, o que fazer com o último resquício da Guerra Fria no hemisfério.
“É importante conhecer e entender o governo ou a pessoa com a qual se negocia”, disse, esta semana, ao Página 12, de seu escritório no Centro para Política Internacional, em Washington.
Embora tenha elogiado o levantamento de sanções direcionadas a Cuba ele alertou que Barack Obama está errando a estratégia, ao pedir que o governo cubano responda com um gesto contundente, como a liberação de dissidentes.
“As sanções nesta história são dos Estados Unidos contra Cuba, e não o inverso. Se conheço um pouco os cubanos, sei que não aceitarão condições por tão pouco. Nunca fizeram isso por ninguém e muito menos farão por Washington”, colocou, por telefone.
Smith trabalhou com John F. Kennedy, como um de seus assessores para a região, e, mais tarde, Jimmy Carter o nomeou o número um da nova Seção de Interesses dos Estados Unidos em Havana.
Desde então, está convencido de que os Estados Unidos devem buscar uma forma de reestabelecer relações com a ilha. Tão certo disto estava que renunciou ao Departamento de Estado norte-americano, em 1982, por não concordar com a política exterior do republicano Ronald Reagan. Veja a entrevista, publicada durante a realização da Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago.
O porta-voz do presidente Obama repetiu que os EUA esperam um gesto de Cuba
É um absurdo passar a bola para Cuba. O que os Estados Unidos fizeram esta semana (liberando viagens e envio de remessas de cubano-americanos) é muito pouco. Obama talvez não tenha conservado a hostilidade de seu antecessor, mas o discurso prossegue em um tom duro.
O governo norte-americano sequer expressou um interesse em iniciar um diálogo com Cuba e agora já espara um gesto da ilha. Cuba não pôs restrições às viagens dos norte-americanos, nem bloqueou o comércio com os Estados Unidos. As sanções, nesta história, são dos Estados Unidos contra Cuba. Não o contrário.
Se conheço um pouco os cubanos, sei que não aceitarão condições por tão pouco. Nunca fizeram isso por ninguém e muito menos farão por Washington
Ou seja, não se deve esperar nenhuma mudança na ilha…
Cuba poderia fazer algumas declarações para distender a situação, voltar a dizer que está disposta a dialogar com os Estados Unidos. Porém, os gestos que Obama reivindica não são realistas.
A Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, tampouco poderia ajudar a destravar a situação?
É como tentar colocar um sapato no pé errado. Até agora, não vimos uma mudança na política dos Estados Unidos em relação a Cuba. O Departamento de Estado segue sem falar com a Seção de Interesses de Cuba em Washington, e a Seção dos EUA em Havana sequer tem uma relação formal com a chancelaria cubana.
É preciso entender algo fundamental: a política dos Estados Unidos para a ilha é a mesma. Apesar do que digam em Washington, a bola continua do lado norte-americano.
Nada mudará com a cúpula então?
Gostaria de crer que, depois da cúpula, o governo de Obama vai se dar conta de que precisa fazer mais e anunciará novas mudanças, mais significativas e profundas. Porém, creio que isso não ocorrerá. Obama vai decidir que agora é tempo de esperar uma mudança por parte de Cuba… (risos).
A verdade é que, depois de tantos anos, deveríamos saber que isso não acontecerá. Os cubanos vão dar boas-vindas às mudanças, porém não vão começar a liberar prisioneiros ou a abrir o jogo eleitoral a todos os grupos políticos.
Obama está sendo ingênuo ou é uma estratégia para evitar aprofundar uma aproximação?
Ele prometeu muitas mudanças na campanha eleitoral, porém, tenho a sensação de que não as veremos. Sem dúvida, não se pode esquecer que a oposição ao bloqueio é cada vez mais forte no país.
De onde vem essa oposição?
De organizações e pessoas que acreditam que a política em relação a Cuba é e tem sido contraproducente. As pesquisas de opinião mostram que a maioria dos estadunidenses, cerca de 71%, crê que deveríamos normalizar as relações e eliminar por completo o embargo.
Há muitíssimo apoio, porém não se deve deixar enganar. Esse apoio não se refletirá em um multidão protestando nas ruas ou em manifestações em favor de Cuba.
Cuba é um tema que interessa ao norte-americano médio?
Cuba já não é o aliado na União Soviética e os norte-americanos entendem que seu governo já não deve derrubar governos estrangeiros, mas estebelecer relações de respeito. No contexto atual, os Estados Unidos são quem estão verdadeiramente ilhados, não Cuba.
O senhor viajou muitas vezes a Cuba e conhece muitos dos funcionários que permanecem no governo. O sistema cubano está preparado para uma abertura total de investimentos, cidadãos e remessas provenientes dos Estados Unidos?
Necessitam mudar, disso não há dúvidas. As mudanças por parte dos Estados Unidos podem empurrar-lhes um pouco do sistema socialista puro, mas eles tampouco têm isso agora. Para além dos ajustes que devem acontecer, creio que o governo cubano está razoavelmente preparado para controlar as mudanças.
Fonte: Página 12