Araguaia: O acerto de contas com o passado
Trinta e sete anos depois, o Ceará reencontra a história do guerrilheiro Bergson Gurjão. Na próxima quinta-feira, dia 21, a Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou julga o pedido de indenização para a família
Publicado 17/05/2009 15:41 | Editado 04/03/2020 16:35
A ossada é ou não é de Bergson Gurjão Farias? É a mais nova polêmica que se trava em Brasília. O motivo da discussão é o possível esqueleto de um guerrilheiro cearense, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), morto em combate na Guerrilha do Araguaia (sudeste do Pará, norte de Tocantins, então Goiás, e sul do Maranhão), em 8 de maio de 1972. Ele foi o primeiro guerrilheiro a morrer em choque com o Exército.
Bergson Gurjão, de 25 anos, foi mortalmente ferido numa emboscada, após uma troca de tiros com uma equipe de pára-quedistas. Antes disso, ele atirou no então tenente Álvaro Pereira, que sobreviveu e hoje é general da reserva e um dos ideólogos das Forças Armadas. Transtornados, os demais integrantes da tropa trucidaram o guerrilheiro. Relato de um sobrevivente, Dower Moraes Cavalcante, conta que, o corpo, já sem vida, foi perfurado a golpes de baioneta e, depois, pendurado de cabeça para baixo em uma árvore na região do Araguaia.
Anistia
A Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou julgará no próximo dia 21, às 8h30min, no auditório da Reitoria da Universidade Federal do Ceará, o pedido de indenização para a família de Bergson Gurjão Farias. Segundo o presidente da comissão, Mário Albuquerque, o julgamento será público. “Esperamos contar com a presença de entidades e personalidades neste acontecimento”, disse Albuquerque.
Enquanto isso, a família de Bergson Gurjão Farias quer uma definição sobre o caso da identificação da ossada e lamenta que assunto tão doloroso venha sendo explorado politicamente por setores da mídia, conforme disse ao O POVO Mário Albuquerque.
Controvérsia
Em 1996, um esqueleto foi exumado no cemitério de Xambioá (Tocantins). Peritos que examinaram a ossada admitiram que ela tem características idênticas ao do cearense oficialmente desaparecido durante o conflito. A ossada, denominada de X-2, está, até hoje, guardada num armário da Secretaria Especial de Direitos Humanos, no anexo do Ministério da Justiça, em Brasília.
A confusão se estabeleceu quando a secretária-executiva da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Vera Rotta, anunciou que dois exames de DNA feitos na ossada foram “inconclusivos”.
Mas o perito Domingos Tocchetto, professor de criminalística da Escola Superior de Magistratura, apontou, na última semana, em parecer feito a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, coincidências entre as conclusões dos exames nos ossos recolhidos em 1996 e as características físicas de Bergson Gurjão Farias.
Domingos Tochetto participou de casos famosos, como as mortes de PC Farias (1996) e da jornalista Sandra Gomide (2000). Tocchetto debruçou-se sobre o “Informe Antropológico Forense”, elaborado por peritos argentinos contratados pela Comissão de Mortos e Desaparecidos para tratar das ossadas da Guerrilha do Araguaia.
Novos exames
Na última quinta-feira, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, divulgou nota afirmando que novos exames serão realizados na ossada. Diz o ministro, no final da mensagem: “Considerando os avanços tecnológicos, que nessa área evoluem a cada ano, e a identificação positiva de três desaparecidos políticos por empresa do Brasil, esta Secretaria realizará, com urgência, novas análises de DNA na ossada ‘X-2’, para comparar com o cadastro do Banco de DNA de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, constituído a partir de 2006 e atualmente com os perfis genéticos de familiares de 108 mortos e desaparecidos políticos do Brasil”.
O advogado Benedito Bizerril, diretor estadual do PCdoB no Ceará disse ao site Portal Vermelho: “Caso a confirmação ocorra e os restos mortais de Bérgson Gurjão de Farias voltem para o Ceará, o PCdoB, junto à família do guerrilheiro, prestará homenagem ao colega”.
E-MAIS
>A guerrilha do Araguaia foi organizada pelo Partido Comunista do Brasil, entre os anos de 1966 e 1974. Os integrantes do PCdoB pretendiam derrubar o regime militar instituído no Brasil desde 1964, começando o movimento pelo campo, como ocorrera na China e em Cuba.
> O cenário do conflito se deu no Bico do Papagaio, região onde os estados de Goiás, Pará e Maranhão fazem fronteira. O nome foi dado por se localizar às margens do rio Araguaia, próximo às cidades de São Geraldo e Marabá no Pará e de Xambioá, no norte de Goiás. Participaram da guerrilha do Araguaia cerca de 80 guerrilheiros.
>A maior parte deles entrou no ano de 1970. Entre eles, o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno, cearense, que foi preso pelo Exército em 1972. Outros cearenses que participaram da guerrilha, entre os quais: Custódio Saraiva Neto (desaparecido) e Dower Moraes Cavalcante, preso em 1972 e que, posteriormente se formou em Medicina, hoje falecido.