Argemiro Ferreira: A diplomacia sinuosa dos EUA em Honduras
Ambígua desde sua declaração inicial, a secretária Hillary Clinton tenta a mágica duvidosa de transferir ao presidente Oscar Arias, da Costa Rica, uma mediação que deveria caber à Organização dos Estados Americanos (OEA). Paralelamente, surgem informaç
Publicado 13/07/2009 11:34
Circulam versões desencontradas, desde o primeiro momento, sobre a posição dos EUA frente ao golpe militar que derrubou e sequestrou o presidente legítimo de Honduras, Manuel (Mel) Zelaya, suspendeu as garantias constitucionais e instalou no poder o oligarca Roberto Micheletti. O presidente Obama foi claro e enfático na reação inicial, o Departamento de Estado não.
Ambígua desde sua declaração inicial, a secretária Hillary Clinton tenta a mágica duvidosa de transferir ao presidente Oscar Arias, da Costa Rica, uma mediação que deveria caber à OEA. Paralelamente, surgem informações das habituais fontes anônimas do Departamento de Estado para alimentar a alegação golpista atribuindo culpa à Venezuela – ou países aliados simpáticos ao presidente Hugo Chávez.
Mais sensato, no entanto, seria revisitar o papel recente de diplomatas herdados pelo governo Obama do antecessor Bush, cuja obsessão pela derrubada de Chávez encorajava golpes – como o de abril de 2002, que depôs o presidente da Venezuela mas foi revertido 48 horas depois pela reação popular. Pois a secretária Hillary ainda mantém bushistas fora de controle em cargos sensíveis.
Um daqueles diplomatas, Thomas A. Shannon, atualmente espera que o Senado confirme seu nome para chefiar a missão dos EUA no Brasil. Mas ainda ocupa o cargo de escalão superior para o qual Bush o nomeou: secretário de Estado assistente para assuntos do hemisfério ocidental. Nele supervisiona, entre outros, o estranho embaixador dos EUA em Honduras, Hugo Llorens, cubano de nascimento.
Os americanos no complô do golpe
Para substituir Shannon o presidente já indicara (e ainda espera a confirmação do Senado) o chileno de nascimento Arturo Valenzuela, qualificado por sua carreira acadêmica e passagens anteriores (no governo Clinton) pelo Departamento de Estado e Casa Branca (Conselho de Segurança Nacional). O golpe hondurenho atropelou Obama com Shannon em posto chave e Llorens em Tegucigalpa, enviado um ano antes por Bush.
Remanescentes do governo passado, ambos acompanharam na intimidade a marcha do golpe de Honduras. Como relatou o New York Times a 30 de junho, eles falaram antes com os chefes militares e líderes da oposição que preparavam o golpe, a pretexto de “buscar saída para a crise”. Não se sabe o que os dois disseram. Mas depois de o dizerem os golpistas, confiantes, tiraram o presidente da cama, de pijama, e o enfiaram no avião.
O cientista político Valenzuela, democrata e autor de livros críticos dos golpes militares no continente, apoiaria isso? Dificilmente. Shannon ainda reza pelo catecismo de Bush. E Llorens, subordinado a ele, foi uma das 14 mil crianças mandadas de avião de Cuba para Miami pelos pais entre 1960 e 1962 na infame operação Peter Pan da CIA (muitas delas ficaram marcadas o resto da vida pelo trauma).
Como impor na Casa Branca uma política externa latino-americana contrária a tais golpes? Obama até começou bem. Na reunião da OEA em Trinidad ele afirmou seu compromisso com a democracia, declarando-se ainda pronto a aprovar a volta de Cuba à organização – da qual a ilha fora expulsa 50 anos antes pelos EUA (não por falta de democracia, pois votos de dois ou mais ditadores tiveram então de ser comprados com suborno).
Otto Reich e os cubanos de Miami
Shannon e Llorens viveram situação semelhante à atual em 2002, no golpe contra Chávez. Um tratava então de questões andinas (Venezuela entre elas) no Departamento de Estado, como adjunto do secretário assistente Otto Reich, lobista anti-Cuba e padrinho do golpe; o outro cuidava do mesmo assunto no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, junto com Elliot Abrams (do escândalo Irã-Contras).
Como a nomeação de Reich era precária (se fosse submetida ao Senado, teria sido rejeitada devido às travessuras dele também no escândalo Irã-Contras), depois do fracasso do golpe seu cargo de secretário assistente para assuntos hemisféricos ficou para o subordinado Shannon, diplomata de carreira que já fora conselheiro político na embaixada de Caracas. E Llorens seguiria depois para Honduras.
Não se deve personalizar a dupla Shannon-Llorens, pois há outro complicador – o conspícuo NED (National Endowment for Democracy: Dotação Nacional para a Democracia). Essa organização foi criada no governo Reagan, em meio aos banhos de sangue “em defesa da democracia”. Tem o faculdade de injetar dinheiro público (da USAID) e privado na política interna de outros países do hemisfério (o cardeal hondurenho Oscar Andrés Rodrigues (foto), que ataca Zelaya e Chávez, foi um dos contemplados pelo NED).
O expediente resultou das dificuldades no Congresso (de maioria democrata) para o presidente Reagan financiar suas aventuras sangrentas, em especial na América Central. A guerra secreta da CIA (que recrutava, vestia e armava os mercenários “contras” para atacar a Nicarágua) a partir do território de Honduras (tudo pago com os lucros da venda clandestina de armas ao Irã) foi o modelo conspícuo.
O vocabulário novo dos golpistas
O NED ainda sobrevive, paradoxalmente graças a favores aos dois partidos. Através de seu IRI (International Republican Institute), os republicanos – cuja corrupção tem alarmado os EUA – acumulam dinheiro usando disfarces como “promoção da democracia”, “combate à corrupção”, “boa governança” e outros. Mas o propósito real é patrocinar golpes como o da Venezuela em 2002 e o de Honduras agora.
Com abundância de recursos o republicano IRI e o democrata NDI (National Democratic Institute for International Affairs) criam ONGs com programas próprios. Como o Center for International Private Enterprise, dos empresários republicanos; e o American Center for International Labor Solidarity, dos sindicatos democratas. Com eles infiltram-se metas da política externa dos EUA na sociedade civil de outros países (como a CIA na guerra fria).
O papel do NED (mais IRI, NDI & penduricalhos) e da USAID ficou fartamente exposto na investigação do Inspetor Geral do Departamento de Estado sobre a ingerência no golpe de 2002 na Venezuela. Mas o relatório já absolvia a-priori a ação – ilegítima por corromper políticos a pretexto de “combater a corrupção” e patrocinar golpes em nome da “democracia” e “boa governança”.
Uma frase que confessa tudo isso foi dita em 1991 pelo notório intelectual de direita Allen Weinstein, um dos fundadores do NED: “Boa parte das coisas que estamos fazendo hoje eram feitas clandestinamente, há 25 anos atrás, pela CIA, Agência Central de Espionagem” De fato: ontem, a derrubada dos governos eleitos do Irã, Guatemala, etc; hoje, os do Haiti, Venezuela, Honduras – e outros que virão se os golpistas ficarem impunes.