Dia da Mulher Negra: Olivia Santana e Cida Santos lutam por igualdade

A desigualdade de gênero se expressa no mercado de trabalho, no ambiente privado e nos espaços de poder na sociedade. No caso da mulher negra, a situação é ainda pior: elas ocupam a maioria dos subempregos, recebem os piores salários e têm poucas oportuni

Olívia é pedagoga, foi professora da rede pública e particular de ensino de Salvador, secretária de Educação e Cultura do município e está no seu terceiro mandato na Câmara de Vereadores, onde é uma das parlamentares mais destacadas da bancada de oposição. Negra e de origem pobre, é comunista do PCdoB, militante da luta anti-racista e do movimento de mulheres.



 


Cida é formada em Ciências Contábeis, diretora de finanças da Secretaria Estadual de Trabalho Emprego, Renda e Esportes, onde coordena o Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça,vinculado ao Programa Pró- Equidade de Gênero, premiado pela Organização das Nações Unidas com selo de eficiência. Também uma militante do PCdoB e da luta anti-racista.



 


Vermelho: Qual a situação da mulher negra na Bahia hoje?


 


Olívia: Embora seja maioria entre as mulheres, as negras ainda têm uma condição extremamente precária de sobrevivência, são as principais vítimas do desemprego e da falta de oportunidades educacionais, criando grandes barreiras para acessar mais espaços na estrutura social. Isto favorece um ciclo que se repete da mulher negra doméstica e dos serviços precários e informais. As ganhadeiras do tempo da escravidão ainda existem hoje, na figura das baianas do acarajé, que quando todas as portas são fechadas no mercado formal, buscam na venda dos quitutes uma forma de sustentar a família. As baianas do acarajé também são símbolos da resistência das negras, da capacidade de reinventar sua existência e de buscar seus próprios meios de enfrentar o racismo, a discriminação e a falta de oportunidade, criando algo que está ligado à sua matriz cultural. O que se transformou em cartão postal da cidade é motivo de orgulho e uma forma de denúncia do alto nível de desemprego das mulheres negras; que também podem estar nos postos de comando.


 


Vermelho: Qual a situação da mulher no mercado de trabalho?


 


Cida : Eu acho que houve grande avanço, mas a mulher negra ainda se encontra em posição de desvantagem, porque enfrenta mais dificuldades de inserção no mundo do trabalho em relação à mulher branca e ao homem de forma geral; inclusive ao homem negro. A questão racial está intrinsecamente vinculada ao problema social, à questão do acesso ao emprego, à educação, à saúde. É preciso que se implementem políticas públicas na área social, que dêem oportunidades a todos, porque, mesmo que ajam estes avanços, a mulher negra vai estar sempre em desvantagem se não forem definidas políticas específicas para a promoção da equidade. Mesmo quando a gente consegue ascender a um cargo de gestão, como é o meu caso, temos sempre que mostrar que somos mulheres de luta, não nos deixamos abater, que estamos ali por méritos e temos os mesmos direitos.


 


Vermelho: Como é a representação das mulheres nos espaços de decisão na sociedade?


 


Olívia: É uma vergonha. A Bahia é o maior estado negro do Brasil, mas não consegue ter mulheres negras deputadas estaduais e federais. Na Câmara de Vereadores de Salvador são apenas seis vereadoras e só duas negras. Já houve um tempo em que não havia nenhuma; e são exatamente estas estruturas de poder político que podem definir mudanças mais significativas. Se estamos ausentes destes espaços, fica muito mais difícil reeducar a sociedade e fazer o enfrentamento com instrumentos mais eficazes.


 


Vermelho: Existe na Câmara algum projeto voltado para a mulher negra?


 


Olívia: Existe um projeto de autoria da Comissão da Mulher para instituir a medalha Maria Felipa. Um reconhecimento da coragem desta heroína de Cachoeira, que muito contribuiu para a Independência da Bahia e do Brasil, mas que foi esquecida pelos livros de história.Tem ainda um projeto de minha autoria, que estabelece uma política municipal de combate à violência contra a mulher e transforma as Administrações Regionais em  espaços de denúncias, de atendimento às mulheres vítimas de violência, ampliando as estruturas públicas para atender às demandas geradas pela Lei Maria da Penha. Nós buscamos fazer com que isso não seja apenas um caso de polícia, tratado na delegacia, mas que o município também possa amparar estas mulheres. O projeto é voltado para todas as mulheres, mas as negras estão mais alijada do mercado de trabalho, por isso são mais vulneráveis à questão da violência doméstica, evidenciando que não dá para tratar da questão sem trabalhar o viés de raça. O projeto visa assegurar mais instrumentos para garantir o direito à vida e à segurança das mulheres mais pobres, de maioria negra.


 


Vermelho: Como funciona o Programa de Pró-equidade de Gênero da Setre?


 


Cida: O Programa Pró- Equidade foi criado pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República com o objetivo de conscientizar e sensibilizar dirigentes, estimulando as práticas de gestão para promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro da Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esportes (Setre). Nós desenvolvemos ações que fomentam boas práticas de gestão e possibilitam a troca de experiências de promoção de igualdade de gênero no mundo do trabalho. Isto faz com que seja reconhecido publicamente o compromisso desta secretaria com a questão da equidade de gênero. O programa foi premiado com o selo de pró-equidade de gênero da Organização das Nações Unidas e decidimos convocar todas as secretarias estaduais para falar da experiência da Setre e incentivá-las a adotarem o programa, tornando-o uma política de Estado. 


 


Vermelho: Como a política do Trabalho Decente pode contribuir para a questão de equidade de gênero?


 


Cida: Na Bahia, o Programa de Pró- Equidade de Gênero é parte da Agenda do Trabalho Decente, que é a implementação de políticas de articulação, mobilização e conscientização para que homens e mulheres tenham uma vida digna, com direito à igualdade de gênero, raça e religião. O modelo é referência internacional, o que possibilita que o nosso trabalho se desenvolva com mais facilidade, no plano da compreensão, na política de informação, de convencimento de ter este olhar para a equidade de gênero. A maior parte das mulheres da Região Metropolitana de Salvador ainda não está inserida na Agenda do Trabalho Decente. É um longo caminho para que todas as mulheres tenham direito a um trabalho decente.


 


Vermelho: Qual a importância de celebrar o dia da mulher negra?


 


Olívia: O Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha foi instituído em 25 de julho de 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingos, República Dominicana. É um dia para que todas as mulheres possam protestar contra a desigualdade de gênero com o recorte de raça. No dia 8 de Março, nem sempre há espaço para protestar contra a situação brutal de exclusão social que vive a mulher negra, que não enfrenta apenas o machismo, mas também o racismo, que tem segregado milhões de mulheres em todo o mundo. Não é uma luta separatista, mas apenas uma data a mais para refletir sobre a situação das mulheres negras no mundo, como um instrumento de denúncia, que, ao invés de dividir, vem somar. O 25 de julho cala fundo entre as baianas e, sobretudo, em Salvador, onde a data tem que ser refletida e pensada com a participação massiva da população.


 


Cida: A data contribui para chamar à atenção sobre a questão da mulher negra, porque houve muitos avanços dentro da luta das mulheres, mas ainda há muito a conquistar e as negras ainda estão muito longe da igualdade. Nós não queremos o separatismo, mas uma sociedade socialista, onde todos tenham direitos e oportunidades iguais. 


 


Vermelho: Como o fato de você ser mulher e negra interferiu na sua trajetória?


 


Olívia: Minha trajetória sempre foi de muita luta, dificuldades e muitos momentos de superação. Tudo que conquistei foi fruto de muito esforço, de apostas em projetos coletivos. Tenho a idéia de que só podemos fazer transformações mais profundas, se tivermos a capacidades de entender as lutas sociais coletivas. Não basta transformar a vida de uma pessoa; não basta que apenas uma ultrapasse os obstáculos. É importante compreender que temos que fazer movimentos capazes de derrubar as estruturas da opressão, porque assim, o que é exceção pode virar uma regra geral e todo povo brasileiro pode ter direito a um lugar ao sol. Direito básico à vida, ao atendimento de suas necessidades básicas, à realização de seus sonhos. E isso só a perspectiva socialista pode dar.


 


Cida: O fato de ser mulher e negra me ajudou a ser uma pessoa mais aguerrida, valente e mais batalhadora pelos meus ideais. Porque, sempre que eu sentia a discriminação, mesmo velada, em um estado onde a maioria da população é negra, me dava mais força para lutar pelos meus objetivos. Não apenas pelos meus ideais pessoais, mas me dava mais força para chamar mais pessoas para gritar contra a discriminação racial. O fato de ser mulher e negra me fez crescer mais politicamente. Quanto maior a discriminação, mais força eu tenho para vencer o preconceito.



De Salvador,
Eliane Costa