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Empreendimento ilegal lesa estrangeiros no sul da Espanha

Há cinco anos, quando o casal de idosos ingleses Liz e John Browne comprou uma casa no árido e escarpado Vale do Almanzora, coberto por oliveiras e amendoeiras pitorescas, pensou estar finalmente realizando o velho sonho de se aposentar na Espanha, a capital turística do mundo. "O ar seco é excelente para a saúde, bem-vindos à Flórida europeia", haviam proclamado os agentes imobiliários alguns meses antes.

Eles não imaginavam que o sonho viraria pesadelo quando compraram, na verdade, um dos cerca de 11.000 imóveis ilegais construídos na área. Os dois se juntaram a outras dezenas de milhares de estrangeiros – na maioria casais aposentados – vítimas de um esquema que se espalhou pela Espanha, no qual prefeitos reclassificaram terras rurais para vender a construtoras (muitas vezes em troca de gordas propinas) que por sua vez venderam os imóveis a clientes desavisados.

"Estamos de mãos atadas, não podemos fazer nada. A construtora e nossos advogados espanhóis disseram que a licença de construção estava em ordem. Assim, pagamos 140.000 euros, metade do total, e veja o que temos agora", diz John, apontando para a estrutura de concreto do que seria sua casa, similar a outras ao longo de uma estrada de terra com palmeiras mortas.

Eles passaram os últimos cinco anos em uma residência alugada por 600 euros por mês, usando a outra metade do dinheiro, enquanto esperavam em vão que alguém os compensasse ou permitisse que a construção da casa fosse concluída. "Só temos mais quatro ou cinco anos, nosso dinheiro está acabando. Tenho 72 anos e, há poucos meses, descobri um câncer. Sinto-me doente, não quero deixar minha mulher sem nada e desistir de nosso sonho", acrescenta ele. Numa ironia cruel, o casal (foto abaixo) precisa vir ao local todo dia para pegar a correspondência na caixa de correio que fica em uma rua próxima.

Mas os Brownes têm sorte em comparação com os outros, pois foram os únicos a pagar metade do imóvel. A outra dúzia de proprietários na área pagou 95%. A mulher de um deles, Edith Watson, morreu no ano passado, deixando o marido, Robert, sozinho e quase sem nenhum dinheiro para pagar as contas de água de um imóvel que ele não pode sequer ocupar.

Medo à noite

Em outra parte do vale, em Aljambra, a história é um pouco diferente. Lá, 13 casais britânicos vivem em adoráveis casas brancas com telhado, piscina e jardim compradas há cinco anos. Eles só descobriram que os imóveis eram ilegais há três anos, quando a polícia bateu à porta.

Desde então, a luz foi cortada, forçando os proprietários a pagar 6.000 euros por geradores a diesel – que, por razões de economia, só funcionam cerca de cinco horas por dia. Algumas casas não possuem nem água corrente.

"Estamos numa situação de total abandono e passamos medo à noite. Não podemos ligar o alarme e têm ocorrido muitos assaltos. Pagamos 200.000 euros por nossa casa. Se a demolirem, teremos de montar uma barraca", diz Des Thompson, de 58 anos, ao lado de seu gerador verde. O prefeito foi preso, mas a perspectiva dos moradores é que a solução de seus problemas ainda demore alguns anos.

A cerca de 15 quilômetros dali, em Cantoria, Bruce Hobday, um oficial da reserva britânico que recebeu uma condecoração da rainha Elizabeth II, decidiu dar um basta há dois anos. Organizou uma manifestação diante da prefeitura. Centenas compareceram, mas o único resultado veio em setembro de 2008, na forma de uma bala de arma de fogo que alguém deixou em sua porta, seguida por ameaças de morte e e-mails ofensivos que até hoje continuam chegando.

Os casos no Vale do Almanzora são apenas a ponta do iceberg. Milhares foram prejudicados em empreendimentos ao longo de toda a costa do Mediterrâneo, na capital, Madri, e até nas regiões ao norte, como Astúrias, onde o problema são fazendeiros sem escrúpulos. Todos tiraram vantagem dos estrangeiros durante os anos do boom da construção na Espanha, que agora pertencem ao passado.

Fonte: Opera Mundi