Guilherme Tavares: a memória dos comunistas capixabas

Próximo de completar 90 ano de idade, o ferroviário aposentado e anistiado político é hoje a memória viva da esquerda de Cahoeiro e do Espírito Santo. Dono de uma memória privilegiada, “seu Guilherme” como é conhecido, já deu entrevistas para pesquisadores de importantes universidades, como UFES e UENF.
Por: Pedro Ernesto Fagundes*

Nascido em 20 de agosto de 1923, Guilherme Tavares ingressou na Leopoldina Raiway em 1938, onde trabalhou durante 30 anos. O velho ferroviário militou numa única agremiação partidária: o Partido Comunista do Brasil. Essa atuação política acabou gerando muitas perseguições e uma série de problemas na sua vida profissional e pessoal. Como ele mesmo gosta de afirmar: “já fui preso por todos os presidentes da República, deste de Getúlio Vargas. Figueiredo foi o único que não me prendeu”. Nessa entrevista Guilherme Tavares relembra o cenário cachoeirense durante a década de 1960. Período em que o país mergulhou na ditadura militar.

ENTREVISTA

Quando o srº ingressou no Partido Comunista?

Tavares: Meu pai era ferroviário e atuava no partido (…) Com a idade de 14 anos já acompanhava meu pai nas reuniões e encontros do partido.

Foi assim que o srº presenciou o conflito de 1935 entre integralistas e militantes da Aliança Nacional Libertadora (ANL) na estação ferroviária de Cachoeiro?

Tavares: Eles organizaram a vinda de Plínio Salgado aqui (…), nós do Partido e da ANL achamos que Plínio Salgado não deveria desembarcar aqui. Ele vinha de trem naquela época. Na estação ficaram gritando não desembarca!… e eles gritando desembarca!… Ai ficou naquele desembarca, não desembarca, desembarca, não desembarca. E ai o pau quebrou! (…) Com o apoio do prefeito e da polícia os integralistas tiveram garantida a descida do Plínio Salgado. E o povo da Leopoldina, os carroceiros todos com paus e pedras nas mãos, esse pessoal era bravo mesmo! Não deixou ele saltar não (…) começou o tiroteio. A policia colocou uma metralhadora ali onde hoje é aquele beco em frente a Caixa Econômica e atirou e matou duas pessoas (…) Todo mundo correu. Morreram duas pessoas.

Foi esse acontecimento que levou o srº a ingressar no Partido Comunista?

Tavares: Não! Comecei a ter uma atuação mais constante depois do final da Segunda Guerra, quando o partido voltou para a legalidade.

Como foi a repercussão do golpe militar de 1964 em Cachoeiro?

Tavares: Nenhuma! Todo mundo foi pego de surpresa. Não houve reação nenhuma.

Nem apoiando os militares?

Tavares: Apoiando teve o movimento organizado pela igreja. Foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Juntou um monte de gente aqui em Cachoeiro desfilando com cartazes e imagens. O pessoal saiu gritando pela rua: “prende os comunistas, os ferroviários, os sindicalistas”. Foi aquele bagunça, todo mundo contra o João Goulart.

Depois do golpe de 1964 o que aconteceu com srº?

Tavares: Eu fui preso pelos militares. Eles me prenderam trabalhando na garagem da Leopoldina. Foi a minha primeira prisão durante a ditadura.

Dessa vez o srº foi torturado?

Tavares: Não! Só me interrogaram com base em uma denúncia que fizeram dizendo que eu distribuía uns jornais clandestinos na Leopoldina. Acabei negando todas as acusações, no final sem provas só abriram um inquérito e me soltaram.

O srº distribuiu os jornais?

Tavares: Claro! Em 1963 era o responsável pela distribuição de todos os jornais e revistas editados pelo partido no estado.

Depois do AI-5 como ficou a situação?

Tavares: Tudo mudou. Entre 1969 e 1970 fui preso várias vezes. Uma ocasião fiquei preso no quartel de Vila Velha. Foram 45 dias sem direito a visita e a ver a luz do sol.

O srº sofreu tortura?

Tavares: Durante todo o tempo. Era choque elétrico, afogamento, chutes e socos. Além das torturas morais e psicológicas.

O que os militares queriam saber?

Tavares: Sobre nome de outros militantes, quem fazia parte, quem ajudava. Perguntavam sobre a guerrilha no Pará. Perguntavam essas coisas.

Como o srº conseguiu sua liberdade?

Tavares: Fui julgado e absolvido na 1ª Auditória da Marinha. Nada encontraram para me condenar. E não me incomodaram mais.

* Pedro Ernesto Fagundes é Doutor em História Social (UFRJ).