Publicado 01/02/2010 21:50 | Editado 04/03/2020 16:20

“A cavalo dado não se olha os dentes”. A expressão foi utilizada pelo secretário Municipal de Planejamento e Meio Ambiente, Antônio Abreu, ao ser indagado por repórter de A TARDE sobre a origem do pacote de projetos apresentados pelo Prefeito João Henrique, na ultima quinta-feira, 28, em ato público governamental.
Em outras palavras, o secretário disse que qualquer coisa oferecida de “graça”, sem custo imediato, serve para a cidade. Não importam a origem, a concepção de cidade ou os interesses particulares de quem ofereça. A declaração revela, sobretudo, o grau de desprezo do gestor para com a cidade. Ou, talvez, ele não tenha se dado conta da natureza pública e da responsabilidade do cargo que ocupa.
Mas importa sim, secretário. Intervenções urbanísticas, em qualquer cidade, devem ser muito bem pensadas e discutidas com os seus cidadãos, aliás, o mais amplamente possível. Porque a cidade é de todos e deve servir a todos. Num debate amplo e democrático de questões como essas, devem se confrontar os anseios e interesses do empresariado dos diversos setores, dos trabalhadores, dos urbanistas, dos cidadãos comuns, dos vendedores ambulantes, dos mais pobres, dos muito ricos, dos jovens, dos idosos, das mulheres, dos negros. Num debate assim é possível e importante que ocorram confrontações e embates dos conceitos de cidade e de vida, ampla negociação e, desse modo, o resultado será o mais acertado, mais consistente e sustentável.
Salvador precisa urgentemente de intervenções urbanísticas, o que é notório e de conhecimento público. Entretanto, não podem ser feitas de qualquer maneira e exclusivamente ao alvitre do interesse de determinados grupos, desconsiderando o qualificado quadro técnico da Prefeitura, a exemplo dos profissionais da Fundação Mario Leal. Tanto pior, descumprindo a obrigação de consultar e auscultar os diversos interesses da heterogênea população de nossa cidade.
É verdade que Salvador vive sérios problemas: alta densidade populacional, desmatamento e verticalização desenfreada, mobilidade e acessibilidade limitadas e um transito caótico, entre outros. Mas isso não se soluciona de qualquer jeito. É fundamental que tenhamos bons projetos. Para ser bom e adequado aos anseios da nossa gente, o projeto deve visar os reais interesses da população, abordar e resolver os seus problemas, obrigatoriamente, mediante amplo debate. Somente assim estaremos contribuindo para a consolidação da cidadania.
A questão da democratização da gestão não é uma mera formalidade ou retórica, é uma obrigação governamental decorrente dos fundamentos do Estado Democrático Brasileiro preconizados pela Constituição Federal de 88. Para infelicidade dos soteropolitanos, o slogan adotado pelo prefeito João Henrique “Prefeitura de participação popular”, que encheu de expectativa os diversos segmentos da cidade, foi abandonado por completo a partir da adoção de outro lema, “Prefeitura de novo tempo”, cuja imagem com prédios altos, demonstra, claramente, o vínculo e o retrocesso da gestão.
O que vemos, atualmente, é a exclusiva prioridade aos interesses do setor privado, do grande empresariado da limpeza urbana, da construção civil e de transportes. Os interesses públicos e democráticos são afrontados, sendo seguidamente desconsiderados a Câmara Municipal e os Conselhos Gestores. Neste 2010, com certeza, será um desafio para nós, cidadãos, mas manteremos erguida a bandeira do restabelecimento do processo de democratização da cidade de Salvador.
A propósito, a idade dos equinos é facilmemte descoberta visualizando-se a sua boca. Sabe-se que os cavalos trocam a dentição a partir dos dois anos de idade e que os dentes de leite são mais brancos que os permanentes. Com o tempo, devido à mastigação, os dentes são desgastados e mudam o arco incisivo, sendo arredondados no animal jovem e mais alongados nos velhos. Daí é que surgiu a expressão "a cavalo dado não se olha os dentes", significando, originalmente, que ao se comprar um animal devemos nos preocupar em obter um animal jovem. Porém, se recebermos um de presente, não importa que ele seja velho. Em Tróia, como agora em Salvador, contudo, vale ressaltar, a história é bem diferente.
* Aladilce Souza, é vereadora (PCdoB) e líder da bancada de oposição na Câmara de Salvador.