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Quando a internação é uma necessidade

Ao mesmo tempo em que a Lei da Reforma Psiquiátrica é vista como um grande avanço para o tratamento de pessoas com transtornos mentais, especialistas, familiares e até mesmo pacientes fazem importantes ponderações sobre a postura radical que extinguiu completamente as internações em hospitais psiquiátricos.

Por Mariana Viel

O jornalista e escritor Renato Pompeu, que em 1974 apresentou os primeiros quadros de delírios e alucinações, afirma que as internações em instituições psiquiátricas foram fundamentais para o sucesso de seu tratamento. “Claro que ela não foi suficiente, mas foi extremamente necessário”.

Ele defende que as internações devem ser realizadas em momentos e situações particulares de cada paciente, mas admite que em muitos casos elas são usadas para que as famílias se livrem da responsabilidade. “O doente não deve ser internado quando os outros não aguentam ele. Ele deve ser internado quando ele não se aguenta”.

Pompeu diz que as internações também cumpriram o importante papel de separação temporária da família. Segundo ele, o ambiente familiar agravava seu estado de saúde e fazia com que ele se sentisse pior.

“Tem um aspecto do mal estar psíquico. Toda a loucura da família era jogada para mim e se eu continuasse dentro da família, não teria saído de onde eu saí. Pude me dar bem com a minha família porque fiquei um tempo afastado dela”.

Unidades terapêuticas

O jornalista relata que um dos grandes diferenciais de seu tratamento foi a qualidade das unidades terapêuticas onde esteve internado. “Numa comunidade terapêutica, além de você receber tratamento individual com entrevistas com psiquiatras, psicólogos e remédios, você também exerce atividades organizadas, com horários e cobranças”.

Renato lembra que em um dos hospitais onde se tratou “trabalhou” como porteiro. A finalidade era verificar e tratar os sintomas conforme eles se manifestavam durante as atividades. “Fui porteiro do hospital e as famílias que iam visitar os pacientes não sabiam que quem atendia a porta era também um paciente. Fui organizador de jogos e do jornalzinho interno. Me orgulho de em um ano e meio de internação não ter escrito um único artigo – eram os outros pacientes que escreviam. Fui também paciente atendente e cuidava de outros pacientes como se fosse um atendente profissional. Mesmo os pacientes mais prejudicados, digamos assim, tinham função”.

Renato conta que algum tempo antes de se internar, o hospital chegou a funcionar sem nenhum funcionário – além dos terapeutas, psiquiátricas e psicólogos. “Antes de eu entrar tudo era feito pelos doentes. Não peguei essa fase, quando me internei o hospital já tinha cozinheira, faxineira e os pacientes apenas auxiliavam os trabalhos deles”.

Mantendo a “rotina”

Mesmo diante das crises mais severas da doença, o jornalista relata com satisfação que não precisou interromper o trabalho. Ele afirma que durante o período de “crise maior” – que aconteceu na primeira internação – usou os 30 dias de férias para se recuperar.

“Quando as férias terminaram eles me puseram em hospitais-noite. Eu dormia, tomava café e almoçava no hospital e saía para trabalhar. Nesta época trabalhava na revista Veja. Muitas matérias que os leitores leram naquele período eu escrevi internado ou mesmo no próprio hospital. Cobri a Copa de 74 internado no hospital”.

Depois de um ano internação, Renato sofreu uma crise de regressão e teve que ser transferido para um hospital na cidade de Marília – a 443 km da capital paulista. “A revista aceitou que eu continuasse escrevendo do hospital em Marília e eu vinha uma vez por semana para cá. A par de eu não ter perdido mais do que seis dias de trabalho – o que é normal para qualquer pessoa”.

Mais de trinta anos depois de ter apresentado os primeiros sintomas de transtornos mentais, o jornalista diz que não tem um diagnóstico específico para sua doença. Ele diz que através do uso contínuo de medicamentos, da psicoterapia e psicanálise consegue ter uma vida normal. “Não tenho mais alucinações e apesar de ainda ter os delírios, consigo criticá-los, assim como a maioria das pessoas. No meu caso a internação foi útil, foi um avanço, uma necessidade”.