A "droga de elite" não quer metrô em Higienópolis
Um grupo de moradores de Higienópolis (bairro nobre da região central de São Paulo) iniciou um movimento com o objetivo de impedir a construção da estação Angélica da futura Linha 6 – Laranja do metrô em agosto de 2010. O principal argumento é o "tipo de gente" que circularia pelo bairro caso a estação fosse erguida. A respeito do caso, o jornalista Fernando Canzian escreveu um lúcido comentário denominado "Droga de Elite".
Publicado 12/05/2011 15:28
A nova estação deveria ocupar o espaço onde hoje há o supermercado Pão de Açúcar, na esquina da avenida Angélica com a rua Sergipe. A obra prevê desapropriações.
Abaixo-assinado elaborado pela Associação Defenda Higienópolis e espalhado por diversos condomínios da região contestou o projeto.
A principal alegação é a de que, num raio de 600 metros do local, já existem mais quatro estações e que a construção deveria ser feita na praça Charles Miller, para atender aos estudantes da Faap e aos frequentadores do estádio do Pacaembu.
No mesmo documento, os moradores manifestam a preocupação de que a obra aumente o fluxo de pessoas na região “especialmente em dias de jogos e shows” e de “ocorrências indesejáveis”.
Outro receio, diz o documento, é que a estação vire um atrativo para camelôs. Para o engenheiro civil Mario Carvalho, síndico do edifício Palmares e um dos criadores do manifesto, a contrariedade à obra é de natureza técnica.
“Eu não sou contra o metrô passar pelo bairro. Mas essa estação fica a menos de um quilômetro da estação Higienópolis. A proximidade inclusive aumenta custos de manutenção dos trens devido ao arranque e à frenagem em curto espaço de tempo.”
Carvalho critica ainda o slogan proposto pelo Metrô à nova linha. “Eles chamam essa linha de ‘universitária’, mas ela passa pela PUC, pelo Mackenzie, mas não passa pela Faap. A estação tinha que ser no Pacaembu.”
“Gente diferenciada”
Enquanto escolhe produtos na tradicional Bacco’s Vinhos da rua Sergipe, cujo imóvel pode ser desapropriado pelo Metrô, a psicóloga Guiomar Ferreira, 55, que trabalha e mora no bairro há 25 anos, diz ser contrária à obra.
“Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada…”
A engenheira civil Liana Fernandes, 55, cuja filha mora no bairro, retruca a psicóloga: “Pois eu acho ótimo. Mais ônibus e mais metrô significam menos carros e valoriza os imóveis.”
Com um bilhete único na mão, a publicitária Isadora Abrantes, 24, diz que a região precisa de transporte. “As pessoas contrárias à obra são antigas e conservadoras. As torcidas já passam por aqui sem metrô. A única coisa que sou contra é desapropriar o Pão de Açúcar. Tinha que desapropriar o McDonald’s.”
Para Cássia Fellet, ex-presidente da Associação de Moradores e Amigos do Pacaembu, Perdizes e Higienópolis, as críticas à futura estação não são consenso no bairro.
“É um grupo pequeno de pessoas que podem ser desapropriadas. Elas não têm representatividade”, diz. E mesmo solidária aos vizinhos, Fellet diz que o interesse público deve ser prioridade: “Higienópolis precisa do metrô e São Paulo precisa de transporte público”.
Churrasco da "gente diferenciada"
A notícia de que o governo paulista desistiu de construir uma estação de metrô em Higienópolis, após abaixo assinado de 3500 moradores do bairro de classe alta de São Paulo que não querem “gentediferenciada” na área, motivou a organização via Facebook de um churrasco popular em protesto, com mais de 43 mil intenções de participação. As hashtags fizeram furor no Twitter.
A respeito das opiniões dos moradores do bairro, da decisão de não construir o metrô e do churrasco, o jornalista Fernando Canzian escreveu um lúcido comentário em seu blog denominado "Droga de Elite". Leia a íntegra do post:
Fernando Canzian, na Folha
Higienópolis (cidade da higiene) rechaçou a chegada do metrô. Haveria uma estação no local onde hoje funciona um supermercado Pão de Açúcar, na av. Angélica, esquina com a rua Sergipe. Morei anos ali.
Para quem não conhece, é um bairro rico e central de São Paulo.
Esse canto abrigaria a ex-futura estação do coletivo, agora deslocada para o Pacaembu, com bem menos concentração de pessoas.
O lobby dos ricos venceu. O governo tucano tucanou de novo diante da pressão dos moradores.
Empregadas, babás, porteiros, faxineiros, feirantes, garis, funcionários do Pão de Açúcar e milhares de empregados do bairro que servem diariamente os moradores continuarão sem a melhor, mais rápida, pontual, organizada e limpa opção de transporte público.
Temia-se o aparecimento de camelôs nas redondezas. De “uma gente diferenciada”, um morador chegou a dizer.
Reclama-se muito que São Paulo não consegue ser cosmopolita, democrática.
Vamos a Nova York e à Europa e voltamos deslumbrados. Carentes da não dependência do carro e saudosos de “civilização”.
Não conseguimos fazer o mesmo onde vivemos.
Conviver com o próprio povo é um porre.
Matéria alterada às 16h40 para inserção da informação sobre o protesto.