Codescobridor da Aids analisa 30 anos da mais letal das epidemias
Integrante do grupo do professor Luc Montagnier que, em 1983, isolou o vírus HIV, Willy Rozenbaum está no Brasil desde segunda-feira (23) – quando participou, a convite do Consulado da França, de um debate público no Teatro da Maison, no Rio.
Publicado 25/05/2011 15:08
O médico, que atualmente preside o Conselho Nacional de Aids da França, visita nesta quarta-feira (23) o Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, em Brasília.
Nesta entrevista, Rozenbaum faz um balanço dos 30 anos da epidemia – a serem completados no próximo dia 5 de junho. Para ele, a Aids ainda está longe de ser considerada uma epidemia sob controle. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
O GLOBO: Trinta anos depois de os primeiros casos de aids terem sido detectados em San Francisco, nos EUA, qual é a cara da epidemia hoje?
Rozenbaum: Trinta anos depois da descoberta dos primeiros casos de aids, pode-se dizer que os progressos são consideráveis. Neste período, nós conseguimos descobrir a origem da doença, compreender os mecanismos do vírus, desenvolver tratamentos que permitem recuperar grande parte dos danos causados e manter as pessoas infectadas com boa saúde, com uma expectativa de vida que se assemelha à das pessoas não infectadas.
Os tratamentos foram simplificados também, nos últimos anos, melhorando a adesão. No entanto, em todo o mundo, apenas uma pessoa é tratada para cada cinco que precisam de tratamento, principalmente nos países em desenvolvimento. Mesmo nos países desenvolvidos, uma parte importante das pessoas contaminadas ignora que seja portadora do vírus por falta de diagnóstico. Isso contribui para a progressão da epidemia e seu caráter incontrolável: para cada pessoa que adere ao tratamento, observa-se, ao mesmo tempo, 2,5 novas contaminações.
O GLOBO: A epidemia seguiu o curso originalmente prognosticado? Foi uma surpresa que ela tenha se espalhado tão rapidamente por todo o mundo?
Rozenbaum: Foi só no fim dos anos 80 que entendemos a real dimensão da epidemia. Inicialmente, só conseguíamos contabilizar os casos que apresentavam as complicações da doença. A partir de 1985, quando começamos a utilizar os testes sanguíneos de diagnóstico, começamos a nos dar conta da parte submersa do iceberg, representada pelas pessoas infectadas pelo HIV, mas assintomáticas, que representam a maioria. Não podíamos imaginar que, em 30 anos, 60 milhões de pessoas seriam infectadas pelo vírus e que 25 milhões morreriam.
O GLOBO: O senhor acha que a epidemia está controlada hoje?
Rozenbaum: De forma alguma! Na melhor das hipóteses, nos melhores cenários nos países desenvolvidos, o número de novas contaminações está estabilizado. Esses novos casos se juntam aos antigos – porque a mortalidade diminuiu consideravelmente nesses países graças aos tratamentos – o que leva a um aumento constante do número total de pessoas contaminadas. Se nenhum progresso for feito em termos de prevenção, prevemos que 60 milhões de pessoas estejam contaminadas pelo HIV em todo o mundo em 2030.
O GLOBO: Há alguma esperança real de uma vacina? Ou cura?
Rozenbaum: A questão de uma vacina ou um tratamento curativo permanece totalmente especulativa. Os modelos tradicionais de tratamento ou de vacina não se aplicam porque estamos diante de um agente infeccioso que se integra ao material genético de algumas células da pessoa infectada. Será necessário, sem dúvida, uma intervenção genética para silenciar o vírus ou extraí-lo. No que diz respeito a uma vacina que consista em preparar nosso sistema de defesa para uma infecção, também não conseguimos porque o nosso sistema de defesa não sabe fazer isso naturalmente com eficiência. Isso não impediu diversos pesquisadores de persistir nesse caminho, testando novos métodos baseados em novos conceitos. Por tudo isso, é impossível fazer uma previsão de sucesso.
O GLOBO: E novos tratamentos? Quais são hoje os principais alvos da pesquisa?
Rozenbaum: Os tratamentos atualmente disponíveis são muito eficazes, a tal ponto que permitem um sucesso terapêutico em 90% dos usuários – desde que seja iniciado antes do surgimento da doença e seguido com diligência. O maior progresso que podemos prever consiste na simplificação desse tratamento e o consequente aumento da adesão. Por exemplo, um tratamento administrado apenas uma vez por semana, ou uma vez por mês, seria um progresso muito importante. Mais especulativos são os trabalhos voltados à eliminação dos reservatórios do vírus, o reforço do nosso sistema natural de defesa e as terapias genéticas.
O GLOBO: A discriminação ainda é um problema sério para os pacientes?
Rozenbaum: Se, por um lado, os progressos médicos foram importantes, por outro devemos constatar que as mentalidades evoluíram pouco. A doença continua sendo marcada pela ignorância, discriminação, rejeição e estigmatização. Isso alimenta o número de pessoas contaminadas que ignoram sua condição, contribuindo para a disseminação da doença.
O GLOBO: Qual é o futuro da epidemia?
Rozenbaum: O futuro está em nossas mãos. Praticamente eliminamos a contaminação entre mãe e filho. Já demonstramos, definitivamente, que o tratamento das pessoas infectadas reduz em 96% o risco de transmissão sexual. Uma vacina não faria melhor. Para que isso tenha um impacto ainda maior, deveríamos testar a população de uma forma mais ampla e oferecer o tratamento a todos os infectados. E devemos manter os outros métodos de prevenção, baseados nas mudanças de comportamento e no uso do preservativo. O sucesso que conseguimos nos últimos anos nos ensinou as condições do progresso: ações baseadas no conhecimento e não no pré-julgamento, a defesa do direito das pessoas e o engajamento político.
Fonte: O Globo