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Argentina: Oposição racha, e Cristina Kirchner vira favoritíssima

O garçom Alejandro Morelli ainda não pensou em quem votará na eleição presidencial deste ano — e nem está com vontade de pensar. Ele acha que os preços estão subindo rápido demais na Argentina e que a presidente Cristina Kirchner gasta um tempo desnecessário brigando com o Grupo Clarín.

Mas Morelli também acredita que o país “não vive o caos pintado pelos jornais” e que “faltam propostas” à oposição. “A economia está bem. Eu mesmo troquei de emprego três vezes nos últimos dois anos, e foi sempre para ganhar mais”, afirma o garçom, que acaba de comprar um notebook em 12 prestações e exibe um telefone celular com acesso à internet e tela sensível ao toque.

A menos de cinco meses das eleições presidenciais de 23 de outubro, os argentinos mostram desinteresse pela sucessão na Casa Rosada. Há pouca propaganda política nas ruas de Buenos Aires, e o governo tenta evitar um clima de “já ganhou” para a tentativa de reeleição de Cristina, cuja candidatura nem foi anunciada até agora, mas começa a ser dada como “favoritíssima”. Enquanto isso, os partidos de oposição brigam entre si e lançam diversos candidatos.

Pesquisa divulgada na semana passada pelo instituto OPSM apontou liderança folgada de Cristina, com 44% das intenções de voto, bem à frente do candidato da União Cívica Radical (UCR) Ricardo Alfonsín, com 19%, e do ex-presidente Eduardo Duhalde, que tem 10%. Na Argentina, pode-se ganhar no primeiro turno com apenas 40%, desde que haja uma distância de pelo menos dez pontos percentuais para o segundo colocado.

Com a fragmentação da oposição, esse cenário torna-se cada vez mais provável. O prazo legal para apresentar as candidaturas presidenciais vence no próximo dia 25. Cristina, emocionalmente abalada pela perda do marido Néstor (morto em outubro do ano passado) e pressionada pela filha a desistir da reeleição, talvez pensasse dezenas de vezes antes de encarar uma campanha indefinida e em dois turnos. Mas a tendência é outra.

Os conservadores sem candidato

Pouco a pouco, os principais adversários da presidente foram desistindo ou divergindo entre si, o que vai facilitando o caminho à reeleição de Cristina. “A oposição parece ser a primeira a ter se convencido de que Cristina Kirchner já ganhou. Só essa certeza explica tanta desorientação”, opina o colunista político Joaquín Morales Solá, um alto representante do PiG argentino.

Na sexta-feira (10), a aliança conservadora Proposta Republicana anunciou que não apresentará candidato para as eleições, liberando assim cada filial para formar coalizões em seus distritos. A decisão foi tomada durante uma reunião de cúpula dessa força política, liderada pelo prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, empresário e ex-presidente do clube de futebol Boca Juniors.

“Não levamos candidato e, como estamos misturados nos distritos, é muito difícil que Macri apoie alguém em particular para presidente”, disse o dirigente Humberto Schiavoni depois da reunião. No mês passado, sem conseguir fechar nenhuma aliança importante, Macri desistiu de sua candidatura presidencial para tentar a reeleição. Ele aparece como favorito nas eleições para prefeito de Buenos Aires, em 10 de julho, mas não deve alcançar a vantagem necessária para evitar o segundo turno.

Já o cineasta e deputado Fernando Solanas, líder do grupo de esquerda Projeto Sul, desistiu da corrida à Casa Rosada e apresentou sua candidatura também à prefeitura de Buenos Aires. Ninguém acreditava que ele teria mais de 10% dos votos nas eleições presidenciais, mas sua participação tendia a roubar parte dos votos dados justamente ao kirchnerismo. Além disso, Solanas recusou-se a dar apoio à UCR de Alfonsín. “Somos contra acordos de ocasião. O cidadão vota com a sua consciência”, afirmou o deputado.

Os nomes na disputa

O peronismo dissidente — uma ala do Partido Justicialista que rompeu com Néstor e Cristina Kirchner — igualmente se dividiu. O ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003), líder nos índices de rejeição, criou um partido (União Popular) para concorrer à Presidência. Ele vinha sendo acompanhado pelo governador da Província de San Luis, Alberto Rodríguez Saá, que, no final, também optou por uma candidatura própria à Casa Rosada. Na sexta-feira, Duhalde anunciou que dividirá chapa com Mario Das Neves, governador da província sulista de Chubut.

No meio da desorganização política, uma das grandes apostas da oposição havia se tornado o deputado social-democrata Ricardo Alfonsín, filho de Raúl Alfonsín, ex-presidente do país na transição democrática (1983-1989). Dono do mesmo bigode, dos mesmos trajes e até da mesma secretária que atendia ao pai, Alfonsín, de 59 anos, é tido como moderado, a ponto de ser um dos poucos adversários de Cristina a manter algum tipo de interlocução com o governo,

Candidato da União Cívica Radical (UCR), Alfonsín vinha costurando um leque de parcerias e se posicionava como o rival mais forte do kirchnerismo nas eleições de outubro. Aliou-se, por exemplo, ao deputado Francisco de Narváez — um peronista dissidente que liderou a lista opositora na vitória sobre o ex-presidente Néstor Kirchner nas legislativas de 2009 na província de Buenos Aires, o maior distrito.

Ao lançar na quinta-feira sua chapa presidencial, Alfonsín prometeu fazer “a austeridade retornar à Argentina” e disse ter “a obrigação moral de lutar contra a corrupção”. Mas ele não conseguiu concretizar as esperadas alianças que o ajudariam, tendo perdido o apoio de dois grupos de esquerda vistos como fundamentais para reforçar suas pretensões.

Foi o caso de Elisa Carrió, terceira colocada nas últimas eleições presidenciais e dona de um estridente discurso moralista. Ela optou também por uma candidatura própria e tem 4% na pesquisa da OPSM. Já o Partido Socialista tinha um pré-acordo para indicar o vice na chapa de Alfonsín, mas, perplexo, viu Alfonsín optar por Javier González Fraga, ex-presidente ortodoxo do Banco Central no governo Carlos Menem (1989-1999). Neste sábado (11), em plenária, o PS decidiu lançar a candidatura do influente governador da província de Santa Fé, Hermes Binner.

Ressalvas sobre a inflação

Os opositores parecem errar não apenas ao dividir-se, mas também no foco das críticas. O alvo preferido tem sido a inflação, que está no patamar de dois dígitos pelo quinto ano seguido e pode chegar a 25% em 2011 (segundo o governo, o índice acumulado em 12 meses está em 9,7%).

Mas quatro em cada dez eleitores têm menos de 35 anos e entraram no mercado de trabalho depois da Lei de Convertibilidade, do início da década de 1990, dando mais importância a problemas como segurança pública e desemprego. Uma pesquisa recente da consultoria Management & Fit mostrou que a inflação é a principal preocupação de apenas 9% dos eleitores — perde para violência urbana, desemprego e acesso à educação.

Os candidatos pretendem aglutinar o voto opositor em um eventual segundo turno frente à candidatura da base do governo, favorita nas pesquisas. De todas as formas, Cristina Kirchner, de 58 anos, ainda não se pronunciou sobre se deverá candidatar-se à reeleição.

Da Redação, com agências