Rui Namorado Rosa: Otan arrasta Portugal na deriva militarista
A Otan anunciou a decisão de transferir para Portugal o “comando operacional” da Força Marítima de Reação Rápida ‘Strikfornato’, a formidável estrutura agressiva atualmente em ação contra a Líbia.
Por Rui Namorado Rosa, em ODiário.info *
Publicado 14/06/2011 10:07
Para além de mais este sinal de servil alinhamento com o imperialismo, ficam por apurar quais as condições e as consequências diretas que a anunciada instalação deste “comando operacional” implica para o nosso país, assunto que o discreto ministro e os distraídos analistas silenciam.
Uma reunião de alto nível da Otan acontece, com prometidas implicações para o nosso país, contudo as notícias são escassas e disfarçadamente procuram iludir as suas graves consequências. Os políticos e os órgãos de comunicação ao serviço dos partidos burgueses sabem e fazem como de costume. Falar muito acerca de nada, e dizem meia verdade acerca do que realmente importa.
Passado meio ano sobre a cimeira de Lisboa, no quadro de declaradamente mais ambiciosa e agressiva estratégia global, o conselho de ministros da Otan reuniu nos últimos dias 8 e 9 na sede em Bruxelas para decidir sobre reformas na sua estrutura de comando.
A agenda daquele conselho de ministros testemunha a vocação imperial dessa “aliança”. Aí foram avaliadas as situações militares das guerras no Afeganistão, Iraque e Líbia, de que os Estados Unidos e seus aliados são promotores e parte; a situação na Coreia e o posicionamento assertivo da China no Mar da China e nas rotas marítimas do Oriente; as relações com a Rússia, a proliferação nuclear e a defesa balística anti-míssil na Europa (“a guerra das estrelas”).
A Otan procedeu a reforma da sua estrutura de comando estratégico e operacional, tendo em particular anunciado a decisão de transferir para Portugal o “comando operacional” da Força Marítima de Reação Rápida ‘Strikfornato’, até agora sediado em Nápoles. Este ‘comando operacional’ abarca a Sexta Esquadra dos Estados Unidos da América e forças navais de outros estados membros. O comando desta Força é assumido pelo próprio comandante da Sexta Esquadra, e reporta diretamente com o Comandante Supremo das Forças Aliadas ‘SACEUR’ em Bruxelas.
A Sexta Esquadra opera sobre a Europa e África, com os aliados da Otan e em outras “cooperações estratégicas” que os EUA vão impondo ou cultivando com outros estados. A Sexta Esquadra fornece o braço naval para os comandos dos EUA para a Europa (Eucom) e para a África (Africom). A partir do navio almirante Mount Whitney, o seu comandante detém o “comando operacional” da Força Marítima de Reação Rápida da Otan.
Constituída por 40 navios, quase duzentos aviões e 20 mil homens, a Sexta Esquadra dispõe de diversas bases de apoio naval e aéreo no Mar Mediterrâneo – incluindo Rota (Espanha), Souda Bay (Creta, Grécia) Gaeta e Sigonella (Lácio e Sicília, Itália). Tem operado, sobretudo, no Mediterrâneo e no Golfo da Guiné, e tem intervindo em numerosas ações, de que se destacam a agressão à Jugoslávia em 1999, ao Iraque em 2003, e presentemente à Líbia.
Com efeito, o comandante da Sexta Esquadra, na qualidade também de comandante da força de intervenção conjunta EUA-Otan, superintende a operação denominada “Odyssey Dawn” que, desde 31 de Março, vem conduzindo os criminosos e ilegais bombardeamentos sobre a Líbia, muito para além de qualquer interpretação plausível da Resolução 1973 do Conselho de Segurança, que invocava a proteção da população civil, no já declarado propósito de forçar a “mudança de regime” a qualquer preço.
É essa a formidável estrutura agressiva de que se propõe instalar o “comando operacional” em Portugal. Um governo em gestão, ilegítima e indignamente não só aceitou como até argumentou a favor de tão grave submissão, por intermédio do ministro da Defesa ainda em funções. O que abusa e ofende a consciência e a segurança do povo português, num passo que também viola a letra e o espírito da Constituição da República Portuguesa.
Para além do referido “comando operacional”, a Otan pretende também transferir para Portugal a Escola de Sistemas de Comunicação e Informações, agora sediada em Roma; e manter em Monsanto o Centro de Lições Aprendidas e Análise Conjunta (‘JALLC’) e encerrar o “comando conjunto” há muito instalado em Oeiras.
Esta posição de indigna sujeição do governo português face ao imperialismo, e a reiterada pretensão de associar o povo português às inumanas e ilegais políticas que a NATO tem desenvolvido, e que neste preciso momento desenvolve na criminosa agressão contra a vida do povo e a integridade do estado líbio, são um sinal da arrogância imperial e da ignóbil submissão dos partidos da burguesia nacional, que alienam a soberania, os direitos do povo, e os recursos e patrimônio do nosso país aos interesses do capital internacional.
E fica ainda por apurar quais as condições e as consequências diretas que a anunciada instalação deste “comando operacional” implica e terá para o nosso país, assunto que o discreto ministro e os distraídos analistas silenciam, até serem dadas como adquiridas como assumido compromisso de estado.
A dissolução da Otan e de todo e qualquer bloco político-militar, bem como o encerramento de todas as bases e outras instalações militares em solo estrangeiro, têm sido dois objetivos da luta dos povos. São condições inalienáveis para alcançar a paz no mundo.
Rui Namorado Rosa é editor do portal ODiário.info, professor catedrático da Universidade de Évora e professor convidado do Instituto Superior Técnico.