50 anos sem Hemingway: “Paris é uma festa”
Segue trecho do livro no qual o escritor Ernest Hemingway estava trabalhando semanas antes do suicídio. Revivia dias alegres da sua juventude na França. Publicado postumamente em 1964, o livro inspirou muitas gerações de jovens a se tornarem jornalistas.
Publicado 21/07/2011 19:23
“Eu era muito tímido quando entrei na livraria pela primeira vez, não tendo dinheiro sequer para me inscrever na biblioteca de aluguel. Sylvia me disse que eu podia pagar o depósito quando tivesse dinheiro, preparou o meu cartão e encorajou-me a levar quantos livros quisesse.
Não havia motivo para que ela confiasse em mim dessa maneira. Não me conhecia, e o endereço que lhe dei, rue Cardinal Lemoine, nº 74, não podia ser mais pobre. Mas ela foi cordial, encantadora e amabilíssima. Atrás dela, em toda a altura da parede e estendendo-se para a sala dos fundos, que dava para o pátio interior do edifício, havia estantes e mais estantes carregadas do tesouro da biblioteca.
Comecei com Turgueniev e tomei os dois volumes de A Sportsman's Sketches e um dos primeiros livros de D. H. Lawrence, creio que Filhos e Amantes. Sylvia disse-me que levasse mais livros, se eu quisesse. Escolhi a edição de Guerra e Paz preparada por Constance Garnett, e O Jogador e Outros Contos, de Dostoievski.
– Você não voltará tão cedo se for ler tudo isso, disse Sylvia.
– Voltarei para pagar – respondi – Tenho algum dinheiro no meu apartamento.
– Não me referia a isso – disse ela – Você pagará quando lhe for conveniente.
– Quando é que Joyce costuma vir aqui? , perguntei.
– Quando vem, em geral é no fim da tarde – disse ela. – Você não o conhece pessoalmente?
– Já o vimos no Michaud, comendo com a família – disse eu. – Mas não é delicado olhar as pessoas quando elas estão comendo e, além disso, o Michaud é caro.
– Você costuma comer em casa?
– Agora quase sempre – disse eu. – Temos uma boa cozinheira.
– Não há restaurantes perto de onde você mora, não é?
– Não. Como é que sabe disso? – perguntei.
– Larbaud viveu por ali – disse ela. – Gostava muito do bairro, exceto por isso.
– O lugar mais próximo, onde se pode comer bem e barato, fica além do Panthéon.
– Não conheço esse bairro. Nós também comemos em casa. Você e sua mulher devem aparecer uma noite dessas.
– Espere até ver se eu Ihe pago – disse eu – Mas muito obrigado pelo convite.
– Não leia depressa demais – disse ela.”