União Africana exige justiça ao Tribunal Penal Internacional

A União Africana (UA) decidiu estabelecer um grupo de contato do Conselho Executivo para realizar consultas com os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para engajar o órgão nas preocupações da UA em sua relação com o Tribunal Penal Internacional (TPI), inclusive na suspensão dos processos criminais contra os presidentes do Sudão e do Quênia, em tramitação. A organização regional deliberou sobre o assunto neste fim de semana, em sessão extraordinária.

Nkosazana Dlamini Zuma - União Africana

A relação da UA com o Tribunal Penal Internacional foi debatida extensamente pela sessão extraordinária da assembleia, uma vez que diversos líderes a classificam como “neocolonial”, devido ao fato de ainda serem julgados por crimes de guerra, genocídio e crimes contra humanidade quase exclusivamente atores africanos.

O Estatuto de Roma não foi ratificado por diversos países (como os próprios Estados Unidos e Israel), o que dificulta a responsabilização deles pelo TPI e, consequentemente, o julgamento dos seus crimes.

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De acordo com o portal oficial da UA, o contato com os membros do Conselho de Segurança deve ser feito antes do início do julgamento de Uhuru Kenyatta, presidente do Quênia, acusado de crimes contra a humanidade no contexto dos episódios de violência extrema após as eleições de 2007.

O atual presidente da UA, o primeiro-ministro da Etiópia, Haile Mariam Desalegn, disse que “se o pedido [de suspensão do julgamento] não for respondido, os chefes de Estado concordaram em pedir o adiamento”.

“Em várias ocasiões, tratamos da questão do TPI e expressamos nossa grave preocupação com a forma com que o TPI tem respondido às considerações da África. Enquanto pedidos similares [de afastamento do processo] por outras entidades foram recebidos positivamente, ainda que em circunstâncias bastante controversas, nem o TPI nem o Conselho de Segurança têm respondido os pedidos reiterados que fizemos em numerosos casos relacionados com a África nos últimos sete anos”, afirmou Desalegn.

“Nosso objetivo não é e nem deve ser uma cruzada contra o TPI, mas um pedido solene para que a organização leve à sério as preocupações da África", completou.

Presidenta da Comissão da UA, a chanceler sul-africana Nkosazana Dlamini Zuma também endossou a questão: "É essencial que nos mantenhamos dentro do quadro legal do Estatuto de Roma". As declarações ajudam a afastar afirmações anteriores de que a assembleia tinha como objetivo preparar uma retirada massiva do TPI, já que 34 dos mais de 50 membros da UA são membros do tribunal.

Procedimentos jurídicos

A assembleia também concordou que o Quênia deve enviar uma carta ao Conselho de Segurança pedindo o afastamento do caso, em conformidade com o Artigo 16 do Estatuto de Roma (que constituiu o TPI), sobre os procedimentos contra o presidente Kenyatta e o vice-presidente do Quênia, William Ruto. A carta seria endossada por todos os Estados africanos membros da UA.

A assembleia reafirmou os princípios que derivam do direito internacional previsto em diversos documentos, assim como do direito internacional costumeiro (não necessariamente codificados em leis escritas), através dos quais os chefes de Estado em exercício de função e outros oficiais recebem imunidade durante o seu mandato.

“Nenhuma condenação pode ser iniciada ou continuada perante qualquer tribunal internacional ou corte contra qualquer chefe de Estado em exercício das suas funções ou qualquer pessoa atuando em tal capacidade durante o seu termo”, afirma a UA.

A explicação da posição é a de que “para salvaguardar a ordem constitucional, a estabilidade e a integridade dos Estados membros, nenhum chefe de Estado ou Governo da UA ou qualquer pessoa atuando ou capaz de atuar nesta capacidade, pode ser requisitada diante de qualquer corte ou tribunal internacional durante o seu mandato”.

Diplomacia e julgamento local

Os chefes de Estado reunidos na assembleia da UA reafirmaram seu compromisso contra a impunidade, pela promoção dos direitos humanos e da democracia, assim como da “boa governança” em todo o continente africano.

A assembleia ressaltou que foi a UA que, depois da violência pós-eleitoral no Quênia, em 2007, iniciou um processo de mediação que levou à assinatura do Acordo Nacional e do Ato de Reconciliação, assim como o acordo que estabeleceu um governo de coalizão.

Além disso, a UA está no processo de expansão do mandato da Corte Africana de Justiça e de Direitos Humanos, para julgar crimes internacionais, como o genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

Os chefes de Estado e de Governo da UA têm deliberado sobre o assunto em diversas ocasiões, e adotaram várias decisões que instam ao tratamento justo à África e aos africanos.

Com informações da União Africana,
Moara Crivelente, da redação do Vermelho