Publicado 08/05/2016 10:15 | Editado 04/03/2020 16:24

Ao assistir à sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que aprovou por unanimidade a liminar do Ministro Teori que afastou Eduardo Cunha da sua condição de Deputado Federal e, como consequência, da presidência da Câmara dos Deputados, percebi, de forma bastante clara, que aquele colegiado deve pensar que nós, brasileiros, somos, de alguma forma, ignorantes ou até mesmo asnos de duas pernas.
O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou o pedido de afastamento de Cunha no dia 15 de dezembro de 2015 e só no último dia 05 de maio de 2016, cinco meses após o pedido, o ministro Teori Zavascki, finalmente, atendeu ao Procurador. Em dezembro do ano passado, as razões do seu afastamento já existiam e a sua extensa ficha criminal já era do conhecimento de todos.
Ao justificar a concessão da liminar, Teori reproduziu o pedido do Procurador sem acrescentar uma vírgula e, pasmem, também sem justificar o fato novo que o levou a acelerar, com gasolina azul, a lesma grávida do processo que dormia até então em sua gaveta.
Os votos dos outros dez ministros seguiram a mesma linha indolente e injustificada do relator. Fiquei atentamente esperando uma explicação até que o presidente da corte, Lewandovski, veio com a pérola do dia: “É preciso ressaltar que o tempo do Judiciário não é o tempo da política e nem é o tempo da mídia”. Aí foi a última gota e com esse tamanho despautério proferido pelo Ministro eu senti vontade de ornejar sentindo-me aquele asno do parágrafo inicial.
A verdade é inocente como o sorriso de uma criança e límpida como as águas das fontes da minha Serra de Baturité. O tempo foi, sim, o da política e da mídia golpista, o período do vácuo foi o suficiente para Cunha patrocinar, promover, articular e, com desvio de função, perpetrar na Câmara dos Deputados o maior golpe da nossa democracia. O trabalho sujo foi feito pelo gângster Cunha e o traidor Temer e, como resultado final, restou a aprovação da admissibilidade do Impeachment da presidenta Dilma.
Agora, os partidos e políticos reacionários, os grandes conglomerados empresariais nacionais e internacionais e a imprensa golpista se apressam em afirmar que os atos de Cunha no interregno entre o pedido de Janot e o afastamento por Teori são todos inquestionáveis. Ora, cara pálida, os atos de Cunha permaneceram escusos durante todo esse período. Assim, como considerá-los inquestionáveis se, em momento algum, deixou de cometer crimes? Se assim fosse, estaríamos incorporando à nossa jurisprudência a absurda situação de que "bandido é santo no período que vai do pedido de sua prisão até a sua condenação", desconsiderados os atos cometidos por ele nesse período.
O afastamento de Cunha reforça a tese de que todo o processo de Impeachment na Câmara foi conduzido de forma obscura e suspeita, sob desvio de poder e passível, sim, de nulidade. Cabe agora aos políticos, partidos progressistas, à sociedade organizada, às entidades representativas dos diversos setores e segmentos populares e aos juristas entrarem em campo novamente, com muita força e mobilização, para conter o golpe em andamento agora no Senado, tanto nas ruas como nos tribunais.
*Arruda Bastos é médico, professor universitário, ex-secretário da saúde do Ceará e um dos coordenadores do Movimento Médicos pela Democracia.
Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do site.