Américo Souza: A atualidade da dúvida de Capistrano de Abreu
“Em um país em que a credibilidade dos sistemas político, judiciário e econômico foi pulverizada pela revelação explícita de uma velha prática de relações promíscuas entre agentes públicos e senhores do capital, duvidar da validade da sociedade que construímos, ao longo de mais de 500 anos de história, é o mínimo que devemos esperar, muito embora não seja o bastante”.
Por * Américo Souza
Publicado 23/06/2017 09:16 | Editado 04/03/2020 16:23

Faz 110 anos que Capistrano de Abreu publicou seu livro mais importante, Capítulos de História Colonial. Obra inovadora e provocativa, ela forma, juntamente com Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil, a santíssima trindade dos estudos sobre a formação histórica do Brasil. Rigoroso crítico da sociedade em que vivia, Abreu não se compraz com a história que narra.
A saga da colonização, marcada por extrema violência, corrupção e exploração dos mais frágeis, o incomoda profundamente, a ponto de, após descrever o covarde massacre de índios por um grupo de bandeirantes, perguntar se valeu a pena praticar tantos horrores para fundar o país que temos. Tal como em 1907, esta é, hoje, uma pergunta por demais necessária.
Em um país em que a credibilidade dos sistemas político, judiciário e econômico foi pulverizada pela revelação explícita de uma velha prática de relações promíscuas entre agentes públicos e senhores do capital, duvidar da validade da sociedade que construímos, ao longo de mais de 500 anos de história, é o mínimo que devemos esperar, muito embora não seja o bastante.
Mistificado pela torpe falácia de que a corrupção era obra de um único partido e que bastaria tirar a sua representante do Palácio do Planalto, para todo o mal se dissipar como mágica, uma parte considerável dos brasileiros deu apoio a um ardiloso golpe para mudar tudo, sem modificar nada.
Em outras palavras, ou melhor, nas palavras de Sérgio Machado, “botar o Michel (Temer), num grande acordo nacional”, se revelou um claro e nefasto conchavo não apenas para atender ao interesse de políticos ligados a esquemas bilionários de desvio de dinheiro público, mas, também, para atender à demanda do empresariado por mais poder sobre os trabalhadores, por meio das reformas previdenciária e trabalhista.
Respondendo hoje à pergunta de Abreu: não valeu a pena, ainda, mas cabe a nós construir um futuro em que esta reposta possa ser diferente e isso, sem dúvida alguma, começa com eleições gerais diretas já.
*Américo Souza é historiador; professor da Unilab