Artigo: Eleições indiretas na trilha dos golpes contra a democracia
A grave crise política e institucional que tem sido experimentada pelo povo brasileiro – que está longe de se limitar ao ilegítimo processo de impeachment, pois a este veio uma intensa sequência de retrocessos quanto a direitos sociais, previdenciários e trabalhistas – ainda pode piorar.
Publicado 26/07/2017 14:24 | Editado 04/03/2020 16:49

Apesar de parcela da esquerda (partidária e socialmente falando) e outros setores democráticos terem, corretamente, empunhado a bandeira das Diretas-Já como o começo para uma saída desse quadro, é preciso reconhecer que essa via – de incerta aprovação, como sabíamos todos os que a desfraldamos – dificilmente se viabilizará.
A chamada opinião pública não aderiu a ela à altura da envergadura necessária para que tivéssemos alguma chance de vitória em tal direção, dificultando sobremaneira a perspectiva de se eleger, diretamente, um nome para a Presidência da República diante da queda de Michel Temer.
Ao lado da criminalização da política, do crescimento da ideologia antipartidária e do derretimento do sistema político como um todo, aumentam as aventuras de conotação fascista, de Bolsonaro a togados que pensam em exercer a Presidência por mandato obtido nas urnas, ou por um acordo costurado no Congresso Nacional.
As Diretas-Já são, por alguns partidos políticos ou correntes em seu interior, apontadas como insuficientes, seja porque, para estes, deveriam ser de caráter geral (Executivo e Legislativo), ou pela convocação também de uma Assembleia Constituinte. Nem uma nem outra, entretanto, podem, neste momento, ser vistas com o mínimo de realismo.
Quaisquer cenários advindos da efetiva vacância da Presidência da República por causa da queda de Michel Temer se mostram complexos e exigirão uma luta de longa duração, de resto necessária para tarefas que vão muito além da crise institucional presente.
Para tanto, será necessária uma frente ampla e democrática referenciada em um programa de desenvolvimento e soberania nacionais e em forças políticas que não se restrinjam à esquerda e centro-esquerda, incluindo, além de partidos políticos, segmentos organizados da sociedade civil comprometidos com o crescimento econômico, a retomada e a ampliação de direitos políticos e sociais que vêm sendo afrontados pela política regressiva, entreguista e vinculada aos interesses imperialistas. Iniciativas nessa direção já têm sido empreendidas, como, por exemplo, o Projeto Brasil Nação (articulado por Luiz Carlos Bresser-Pereira e outros) e o Plano Popular de Emergência-PPE (da Frente Brasil Popular). O PCdoB, neste contexto, há de intensificar o debate sobre seu Programa de Desenvolvimento Nacional.
Equivocam-se, entretanto, as teses e articulações que concebem que essa frente ampla e democrática possa contar com protagonistas de todos esses golpes (do político aos que desregulamentam direitos sociais, trabalhistas e previdenciários), como Rodrigo Maia (DEM-RJ), o primeiro na linha sucessória de Temer.
Maia percorre o país, visitando lideranças políticas e entidades empresariais que patrocinaram o impeachment e as reformas em curso, e tem se empenhado pelo fluxo da agenda regressiva que remonta ao Ponte para o Futuro (base programática dos golpistas), visando garantir respaldo a um eventual mandato, pela via indireta, que lhe confira condições para dar continuidade à mesma agenda.
Apoiar e, principalmente, tomar parte nesse banquete de Rodrigo Maia para presidente seria um equívoco político com consequências gravíssimas à imagem, à credibilidade e ao futuro das forças políticas que, estando no campo da frente ampla e democrática, nessa barca furada tomarem assento.
Nenhum cálculo por ganhos menores (tais como a ilusão quanto a uma reforma política menos ceifadora do pluralismo partidário, ou a um acordo que arrefecesse a polarização em andamento na sociedade civil brasileira) justificaria tamanha capitulação a um quadro dirigente das arbitrariedades e golpismo a que temos assistido.
Rodrigo Maia não é Trancredo Neves. Se dúvidas há quanto ao que fazer, a democracia não pode tergiversar quanto ao que não fazer.
Edilson José Graciolli é professor da UFU e presidente do PCdoB de Uberlândia