Dívida externa: olhar o passado e comemorar com moderação
A notícia de que o Brasil virou credor internacional, e que o volume de suas reservas é maior do que o […]
Publicado 26/02/2008 21:15
A notícia de que o Brasil virou credor internacional, e que o volume de suas reservas é maior do que o valor da dívida externa merece ser comemorada com moderação. Em 26 de fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que a soma de tudo o que o país tem a receber chega a 203 bilhões de dólares, contra 196 bilhões que o país deve – isto é, os créditos superam os débitos em 7 bilhões.
Esta situação não é inédita: no final da Segunda Guerra Mundial, houve um curto período em que o Brasil também viveu o papel de credor internacional. Durante o conflito, o país havia acumulado um grande saldo externo, que o governo Vargas pretendia usar, diz o historiador Edgard Carone, como ''recurso financeiro para uma recuperação tecnológica da indústria''. Entretanto, em apenas dois anos (1946 e 1947), a política econômica liberal do presidente Eurico Gaspar Dutra, de liberdade cambial e abertura do mercado nacional, gastou aquelas reservas com a ''importação livre de bugigangas'', diz aquele estudioso.
Hoje, a situação parece diferente. O volume das reservas externas é alto e há indicações, no governo do presidente Lula, da vontade de um uso mais prudente e produtivo desta reserva.
Mas a situação atual tem também uma forte fragilidade, como observa o economista Lécio Morais, em artigo publicado neste portal. Ele chama a atenção para dois aspectos. O primeiro é o crescimento correlado da dívida interna, remunerada a juros estratosféricos. O segundo é o papel do investimento estrangeiro, que se beneficia daqueles juros, na formação das reservas.
Eles implicam, diz o economista, em ''grande emissão de títulos federais para ''esterilizar'' o meio circulante dos reais constantemente emitidos para fazer o câmbio. Os títulos assim emitidos a juros altos são comprados pelos aplicadores para aumentar seu patrimônio, como contrapartida dos dólares que incham nossas reservas. O pior é que os títulos emitidos custam ao Tesouro Nacional pelo menos 11,2% ao ano, enquanto os dólares da reserva só rendem cerca de 3%. A diferença é bancada pela emissão de mais títulos e pela maior necessidade de superávit primário no orçamento público. É uma máquina infernal de produzir dívida pública criando, em contrapartida, patrimônio financeiro privado.''
O crescimento da dívida interna, pensa o economista, não é inevitável, mas decorre de uma política monetária muito restritiva, que ''não permite que os reais assim gerados circulem na economia financiando a produção e aumentando o consumo. Em resumo, se as taxas de juros não fossem tão altas, a atração do ganho fácil não nos traria tantos dólares, e se a política fosse mais expansiva, mesmo assim haveria mais reais circulando e menos dívida pública para sufocar o Estado brasileiro''.
A política econômica, que ajudou a gerar a grande reserva externa, é também responsável por sua fragilidade, e o exemplo da história não pode ser descartado. No passado, a confortável situação brasileira de credor internacional durou apenas dois anos. Quanto vai durar a situação atual?