A UnB precisa ser tão esotérica assim?
No seu estudo “A Pseudociência nas Universidades Brasileiras”, Widson Porto Reis considera que a situação mais grave da invasão das pseudociências nas instituições de ensino superior é a registrada na Universidade de Brasília. A UnB criou, em 1989, o Núcl
Publicado 20/11/2006 15:15
Para garantir essa difusão de “crenças pessoais”, o NEFP acabou sendo formado não por estudiosos, mas por adeptos das chamadas “ciências paranormais”. E se crédulo, como dizia Machado de Assis, “quando teima, teima”, quando o crédulo forma uma confraria dentro de uma universidade, a partir de suas crenças, e usa a instituição (pública!) para difundi-las, a situação ganha contornos graves. “É preciso verificar. Nada nos engana tanto quanto nossa própria opinião”, alertava Galileu Galilei.
As ideologias são condicionadas historicamente – e a ideologia de uma época é a da classe dominante. Mas a uma ideologia científica deve corresponder “uma verdade objetiva, uma natureza absoluta”, registrou Lênin, destacando: “Na teoria do conhecimento, como em todos os outros domínios da ciência, deve-se raciocinar dialeticamente, isto é, não supor o nosso conhecimento acabado e imutável, mas analisar de que modo da ignorância nasce o conhecimento, de que modo o conhecimento incompleto, impreciso, se torna mais completo e mais preciso”.
No NEFP, a ignorância não gera o conhecimento, mas é irradiada. Integra o núcleo o astrólogo Paulo Celso dos Reis Gomes, autor do trabalho “Verificação dos efeitos das posições dos astros na eclíptica com respeito à formação do homem e seu cotidiano”. Os astrólogos do núcleo confeccionaram o mapa astral de 100 voluntários a partir das datas e locais de nascimento de cada um. Esses voluntários receberam seus perfis astrológicos e pontuaram, numa escala de 1 a 5, o grau de acerto ou relevância de cada uma das características levantadas. Somente 40, das 100 respostas com a pontuação, foram analisadas e “os pesquisadores verificaram o impressionante índice de 95% de acertos”, informa Widson. O estudo de Paulo Celso mediu apenas a capacidade que as pessoas têm de se identificar com perfis vagos, especialmente os positivos e lisonjeiros, sobre si mesmas – o conhecido Efeito Forer (o psicólogo B. R. Forer descobriu que as pessoas tendem a aceitar descrições de personalidade vagas e generalizadas, que poderiam se encaixar em praticamente qualquer pessoa, como se fossem aplicáveis unicamente a si próprias, explica Robert Todd Carroll, no Dicionário do Cético). Mesmo assim o NEFP divulgou o trabalho – sem esse alerta, é claro. Francisco Seabra, astrólogo membro do núcleo, festejou: “A universidade faz uma revolução ao reconhecer que a astrologia é uma ciência”. A UnB, através desse núcleo, criou um Curso de Astrologia para Pesquisadores objetivando “formar astrólogos pesquisadores que venham a comprovar, de forma racional, os fundamentos da astrologia”. E a ignorância sé irradia, com selo universitário…
O vice-coordenador do NEFP é o físico PhD Álvaro Luis Tronconi. Ele pretende saber “por que a força do pensamento desorganiza a configuração dos átomos dos metais e se ela pode ser identificada e calculada como se faz com a energia elétrica, que não conhecemos por inteiro, mas todos acreditam que existe e a usam”. Note bem: Tronconi diz que as pessoas “acreditam” que a energia elétrica existe, e não que ela existe de fato, independente do que pensam as pessoas… Entre seus objetos de estudo está o paranormal brasileiro Luiz Carlos Amorim que exercita seus poderes em talheres. Seu interesse pela paranormalidade foi despertado quando uma enfermeira o tratou utilizando passes de mão.
Atualmente este físico (ou pelo menos este professor que se acredita físico…) é coordenador e professor do curso de extensão “Ensaios Parapsíquicos”, da UnB. “O programa do curso é um pout pourri esotérico envolvendo viagem astral, regressão a vidas passadas, kirliangrafia, chacras, interpretação de sonhos, retrocognição e outros assuntos que nos fazem imaginar como são as aulas de física que Tronconi leciona na universidade”, espanta-se o autor de “A pseudociência nas universidades brasileiras”.
O que Widson propõe não é uma inquisição contra os pseudocientistas, mas “o estabelecimento de políticas vindas de dentro dos comitês universitários, que restrinjam o impacto de pesquisas levianas”. Pretende que os núcleos de pesquisa “sejam julgados periodicamente por sua produção científica, publicada em revistas indexadas e que isso determine seu subsidiamento pela universidade pública” e ainda que “cursos de extensão e pós-graduação em terapias médicas alternativas promovidas pelas ciências da saúde sejam julgados e aprovados por comitês multidisciplinares” para atestar “a cientifidade e segurança das técnicas ensinadas”. Uma proposta que não se contrapõe à indicada por Galileu que, em 1623, escreveu n’O Ensaiador que ”..a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite”. Ou seja, partir da ignorância para o conhecimento.