Vendo o Senado – Velho Chico causa desavenças

Enquanto o problema da escassez de água não for resolvido, o Brasil não será um país justo. Foi a opinião do presidente Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) na abertura da audiência pública realizada no Senado, dia 14, sobre a transposição de águas do Rio São Francisco. Ele elogiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por decidir-se a iniciar essa obra. No Nordeste, 70% da água doce estão concentradas na bacia do Rio São Francisco, sacrificando a população que a ela não tem acesso – 12 milhões de habitantes nordestinos sofrem com a falta d'água e de um melhor gerenciamento das águas.

Os prós…

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima afirmou que a transposição trará segurança e garantia hídrica a milhões de nordestinos que sofrem com o flagelo da seca. Trata-se de um projeto integrado de desenvolvimento, com medidas de revitalização do Rio São Francisco e de recuperação do meio ambiente de eventuais efeitos danosos à natureza. O ministro informou que já estão sendo replantadas matas ciliares, recompostas margens desgastadas e construídos viveiros e cisternas. Defendeu que o projeto compõe “uma política global de combate às desigualdades regionais que se avolumam na medida em que já vão se transformando em desigualdades intra-regionais”.

O deputado e ex-ministro Ciro Gomes (PSB-CE), disse que os críticos do projeto induzem a ''gravíssimos erros''. Frisou que ''o projeto destina-se ao consumo humano e animal prioritariamente, mas não exclusivamente''. Cutucou os que afirmam que o projeto visa atender ao grande negócio e às empreiteiras: “Esse monopólio da boa-fé não pertence aos críticos do projeto”. E avançou que, ''ao beneficiar 12 milhões de pessoas, o projeto não prejudica um único brasileiro, qualquer que seja o ângulo em que ele se ponha a observá-lo''.

O deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB) esclareceu que a obra não tem a pretensão de resolver todos os problemas do Nordeste. “Pretendemos, sim, reforçar o abastecimento hídrico, humano e animal; reforçar o setor de serviços, a fixação do homem no campo e da pequena agricultura, mas o propósito maior e que engloba todas as ações, podem chamar de segurança hídrica”. Explicou que a transposição é casada “com um projeto de revitalização'' que já está sendo implementado e deve consumir cerca de R$ 20 bilhões na sua totalidade.

O secretário de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional, João Reis Santana Filho, afirmou que o Velho Chico vem sendo vilipendiado há séculos e desafiou: “Saio até da minha secretaria se alguém me provar que antes desse projeto alguém já havia realizado alguma coisa pela revitalização do São Francisco. Agora, não existe estudo somente. Estamos tratando os resíduos sólidos: 164 cidades já estão recebendo esgotamento sanitário. As matas ciliares também estão sendo tratadas, assim como os canais de navegação”. Informou que será realizada a interligação das bacias existentes para fazer com que todos os reservatórios do Nordeste tenham uma demanda crescente e, dessa forma, possam conferir garantia hídrica à população. Ironizou: “Que história é essa de ficar dizendo que a água vai para produzir camarão ou melão? Não acredito em projetos que sejam antevistos por visionários ou madames beatrizes”.

Segundo o gerente do programa São Francisco, de responsabilidade do Consórcio Logos-Concremat, Rômulo Macedo, estudos da Agência Nacional de Águas (ANA) mostram que o uso de 26 metros cúbicos de água por segundo do Rio São Francisco – previsto para a transposição – não irá alterar a situação do rio.

…os contras

O representante da Articulação para o Semi-Árido Brasileiro (ASA-Brasil), Luciano Marçal da Silveira, criticou o projeto por não ter como prioridade as 10 milhões de pessoas que vivem no meio rural da região. Defendeu iniciativas descentralizadas e integradas para valorizar as potencialidades do semi-árido.

Não há como realizar a obra de transposição de águas do Rio São Francisco sem sanar primeiro os danos ambientais à bacia do rio, que já foram detectados, afirmou a promotora de Justiça da Bahia Luciana Khoury. Coordenadora da Promotoria de Justiça do Rio São Francisco, ela afirmou que essa também é a opinião do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos dos estados da região. Luciana disse que há 14 ações protocoladas no Supremo Tribunal Federal denunciando as violações ambientais do empreendimento, mas admitiu: “É preciso falar bem claro que o mérito desses processos ainda não foi julgado”.

O projeto foi elaborado por um comitê multidisciplinar formado pelos Ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente, por secretarias estaduais, prefeituras, sindicatos e sociedade civil organizada. Mesmo assim, o verdadeiro projeto não é conhecido pela sociedade, na opinião do ambientalista e coordenador do portal EcoDebate, José Henrique Cortez.

Também o Movimento Humanos Direitos, representados por artistas, atacou o projeto. Letícia Sabatella, emocionada, apelou aos parlamentares: ''Espero que o debate não seja um teatro''. Carlos Vereza é contra porque desconfia do governo Lula: ''Não confio na atual estrutura governamental, ela não passa confiabilidade”. Osmar Prado chegou a chorar e afirmou ter escutado muitos discursos técnicos, com argumentos fortes e “gestos teatrais” em favor da transposição, mas optava pelas intervenções “que tiveram o coração à frente da argumentação”…

Consulta aos professores universitários

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner, doutor em hidrologia e irrigação, declarou que o projeto “equivalerá a ‘chover no molhado’, pois os grandes beneficiários não serão as populações das regiões onde a seca realmente existe, mas os megaprojetos de fruticultura e da cultura do camarão”. O povo da bacia do São Francisco tem todo o direito de reclamar da perda de água que deverá ocorrer com a transposição, uma vez que 80% da capacidade do rio já é utilizada para geração de energia elétrica.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Apolo Heringer Lisboa, disse que a transposição não vai resolver o problema de falta de água no Nordeste e vai favorecer apenas a ''indústria da seca'' – a população carente continuará sem acesso à água, “da mesma forma que ao dinheiro dos bancos ou à comida dos supermercados”. Sugeriu coletar água da chuva em reservatórios e construir poços para disponibilizar o produto à população. Alegou que todos os geólogos e hidrólogos de universidades brasileiras não apóiam a transposição do Rio São Francisco.

Foi desmentido pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Canedo de Magalhães, para quem a transposição é ''absolutamente necessária''. Segundo este, o objetivo maior do projeto é proporcionar o desenvolvimento econômico e social da região semi-árida do Nordeste.

Uma vela pra Deus, outra pro Diabo

Dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra (BA), que recentemente fez greve de fome contra a transposição do rio, pregou que o projeto vai na contramão da história, beneficiando cultivos irrigados, criação de camarão em cativeiro e usos industriais, em detrimento das necessidades da população. Já o arcebispo da Paraíba, dom Aldo di Cillo Pagotto, que preside o Comitê Paraibano em Defesa da Integração das Bacias e de Transposição das Águas do Rio São Francisco, pontificou que ''quem tem sede apóia'' o projeto, dizendo que assim o fazem bispos e religiosos de vários estados. Eo bispo de Goiás, dom Tomás Balduíno, queixou-se de que não estavam sendo ouvidos os índios, os quilombolas e as populações ribeirinhas: “Vê-se claramente que não há proposta que agregue todos, pois há uma nítida divisão entre os que são contra e a favor desse projeto”.

Em tempo: o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) disse que a discussão foi ''despropositada''. Para ele, apesar de se discutir, desde 1847, formas de minimizar o problema de seca no Nordeste, o projeto do governo representa o primeiro investimento de recursos realizados com essa finalidade. A primeira obra que poderá atender as carências de água da população nordestina e contribuir para a manutenção das pessoas em suas cidades de origem.

CPI dos cartões busca crédito

Apesar das trapalhadas, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Cartões foi protocolada na noite do dia 14. Deve ser instalada dentro de 15 dias pelos deputados e senadores. Após o presidente Garibaldi ter recusado o pedido entregue à tarde, por conter um erro regimental, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), correu os gabinetes dos senadores, acompanhado pela imprensa, e recolheu 28 assinaturas dentro das regras. O requerimento precisa ser lido até semana que vem em plenário pela Mesa. Em seguida, os líderes indicarão os membros da comissão. A oposição quer a presidência, mas a vaga pertence ao PMDB, maior bancada no Senado, que já indicou Neuto de Conto (SC) para o cargo. O DEM ameaça esvaziar a CPI mista: “Se o governo não dividir os cargos, nos reservamos no direito de pedir uma CPI somente no Senado”, disse ontem o líder demo, José Agripino (RN). Pelo acordo entre democratas e tucanos, se a governo ceder na CPI mista, a vaga ficará com um senador do PSDB. O PT, logo depois de a oposição entregar o pedido de CPI, anunciou a indicação do deputado Luiz Sérgio (RJ) para a relatoria. A vaga lhe cabe por ser a segunda maior bancada da Câmara. O relator é responsável por conduzir as investigações e entregar uma conclusão ao seu final.

Classe contra classe

As centrais sindicais decidiram desenvolver campanha conjunta pela redução da jornada de trabalho. Projeto nesse sentido, capitaneado por Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Paulo Paim (PT-RS) tramita no Congresso. E assustou o outro lado: em nome de 135 sindicatos patronais, a Fiesp decidiu combater a proposta de reduzir a jornada de trabalho de 44 para 40 horas. Os empresários pretendem mostrar, contra todas as evidências, que esse tipo de medida nunca ajudou a reduzir o desemprego.
Inovação penal: punição preventiva.

O Senado aprovou, dia 12, o afastamento preventivo do senador ocupante do cargo de corregedor, membro da Mesa, do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e presidente de comissão contra quem for oferecida representação por fato sujeito à pena de perda do mandato ou à pena de perda temporária do exercício do mandato.

A resolução vai à promulgação e entra em vigor no dia 1º de março. Quem tiver representação por quebra de decoro terá de se afastar dos cargos diretivos a partir do momento em que o Conselho de Ética aceitar a denúncia e abrir formalmente o processo disciplinar. Houve apenas um voto contrário, do sergipano Almeida Lima (PMDB), que ponderou: “Nós vamos punir um parlamentar antes mesmo que ele seja julgado, o que é uma afronta ao Estado de direito”.

O presidente Garibaldi quer ir mais longe e investigar “todos aqueles que aqui chegaram com alguma mancha na sua vida pregressa” (ou seja, antes de eleitos). Ele pediu a Demóstenes Torres (DEM-GO) que prepare um projeto de lei complementar para regulamentar o dispositivo da Constituição que autoriza a definição de casos de inelegibilidade, além dos atualmente previstos. Pretende impedir a entrada no Congresso de pessoas envolvidas em escândalos que possam afetar a imagem da instituição. Mas Pedro Simon (PMDB-RS) lembrou que apresentou proposta igual a essa, que estaria parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aguardando relator. “Como muita coisa nesta Casa, meu projeto está na gaveta”, reclamou o gaúcho.

Homenagem a Olga Benário

O centenário de nascimento da comunista alemã Olga Benário, completados no dia 12 de fevereiro, foi registrado por Inácio Arruda. De origem judia, Olga nasceu em Munique, na Alemanha, em 1908, e passou à história como a revolucionária que se casou com o comunista brasileiro Luis Carlos Prestes e foi entregue aos nazistas por Getúlio Vargas. O senador cearense lembrou que “buscava um mundo justo, fraterno, solidário, ideais que perseguimos até hoje. Ela é um exemplo de luta, determinação e amor ao Brasil e ao socialismo”.

Coisas futuras

O presidente Garibaldi pretende realizar dia 20 a votação de alguns vetos presidenciais, entre estes os relacionados à recriação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Nos dois casos, o presidente da República restringiu, por meio de vetos parciais, as fontes de financiamento dessas instituições – que haviam sido estabelecidas pelo Congresso Nacional. Há um total de 885 dispositivos vetados na pauta do Congresso. Mas esse número pode aumentar, já que há outros vetos que não foram incluídos na ordem do dia porque ainda não foram lidos em Plenário.
Além da CPI das Organizações Não-Governamentais (ONGs), que realizará reunião dia 20 para deliberar sobre requerimentos, a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) dará prosseguimento à discussão
dos cortes decorrentes do fim da CPMF.

Baixas na Casa

Aloizio Mercadante (PT-SP), está internado desde 2 de fevereiro no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, sem previsão de alta. Ele faz tratamento para reverter um quadro de retenção urinária provocado por uma inflamação na próstata. Já Jonas Pinheiro (DEM-MT) teve um enfarte na madrugada dia 11 e está internado em estado muito grave em Cuiabá. O parlamentar, de 67 anos, está no segundo mandato.

Lobão Filho liberado para sair do DEM

A direção nacional do Democratas comunicou ao Tribunal Superior Eleitoral que considera justo o desligamento do senador Edison Lobão Filho (MA), que assumiu o mandato com a posse de seu pai no cargo de ministro das Minas e Energia. O partido diz aguardar o pedido de desfiliação do senador, “para evitar os enormes constrangimentos de ordem política e pessoal para as partes envolvidas”. O ofício foi anexado à petição em que Lobão Filho pede declaração de justa causa para sair do DEM, sem correr o risco de perder o mandato por infidelidade partidária.