Mais um dedo de prosa sobre Obama. Eis a obamania
Obama precisava ter apelo junto a uma audiência maior. “Como ele pode vencer se só falar aos negros?”
Publicado 18/06/2008 18:49
Tenho dito que “é simbólico o contexto no qual Obama sagrou-se candidato à Presidência dos Estados Unidos”. Interessa-me especular a razão pela qual a candidatura Obama reverbera na luta anti-racista contemporânea e na auto-estima de negros em todo o mundo. É complexo. “Yes, we can”/Sim, nós podemos, slogan de Obama, cunhado pelo ator e cantor Sammy Davis (1925-1990), calou fundo pelo mundo afora. Eis a obamania.
Só explicável pela força da identidade racial/étnica; tem a ver com a história de vida, a consciência diante das prescrições sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma cultura; é justificável pelas maldades do racismo persistente; e, se vincula à análise das acirradas primárias democratas para a indicação das candidaturas com um elemento novo: ela se deu entre uma mulher e um negro, quando diziam que os EUA não estavam preparados para eleger qualquer dos dois. Iniciou com Hillary à frente e com um ar de inevitabilidade de sua candidatura e eleição.
Steve Holland analisa que “Estrategistas da legenda e analistas de política afirmam que o caminho dela para a terra prometida da disputa presidencial enfrentou vários percalços. A campanha dela deixou-se tomar pelo excesso de confiança, não respondeu aos contagiantes apelos por mudança do adversário Obama e não conseguiu controlar o ex-presidente Bill Clinton, entre outras falhas. Quando lançou sua pré-candidatura, 13 meses atrás, Hillary o fez com uma declaração autoconfiante: 'Estou na disputa, e estou na disputa para vencer'. Em agosto, a ex-primeira-dama liderava com folga as pesquisas.”
Uma avaliação consensual é que Hillary nunca teve mensagem própria e jamais criou vínculo com o eleitorado. “Jim Duffy, estrategista democrata, disse que a campanha de Hillary 'interpretou mal' o povo norte-americano, acreditando que os eleitores prefeririam a experiência dela aos apelos de Obama por uma mudança radical na forma como Washington conduz seus negócios. 'Quando Obama pegou fogo, eles não dispunham de nada para responder, pois a campanha toda deles baseava-se na premissa de que conhecem Washington e sabiam como agir lá para obter resultados'.”
William Wilson, negro, da Universidade de Havard, autor de “A Importância Decrescente da Raça”, declarou que o momento é o mais marcante desde o movimento por direitos civis. Para ele, “Inicialmente identificando como 'um candidato que por acaso é negro', Obama bem que tentou, mas não foi capaz de impedir que a temática racial emergisse – e voltasse ao centro do debate agora. Apesar dos temores de que o preconceito esmagasse suas chances, o que se viu foi 'um homem que, sozinho, mudou a forma como se pensa em raça' nos EUA”. Temos de tirar lições disso.
À indagação “A imagem de 'candidato que por acaso é negro' é boa?”, Wilson respondeu: “Inicialmente, eu me preocupei com o fato de ele ter deixado a questão racial em segundo plano, o que poderia alienar eleitores e líderes negros. O temor foi infundado, pois a população negra se tocou que ele tinha realmente uma chance, e deu liberdade para ele prosseguir como quisesse. Uma vez dei uma palestra em Indiana e um taxista negro me buscou no aeroporto. Ele estava furioso com o reverendo e ativista negro Jesse Jackson, que criticou Obama por não abordar a questão negra. Ele disse: 'Como Obama pode vencer se só falar aos negros? Deixe o homem ser eleito, depois ele trata disso'. Fiquei impressionado com a sofisticação dos eleitores negros, que sabiam que Obama precisava ter apelo com uma audiência maior”.