“Sob a Mesma Lua”: Imigração mexicana em ritmo de melodrama
A roteirista Legiah Villalobos e a diretora Patrícia Riggen usam vários gêneros, estéticas e narrativas para contar a historia de garoto que vai à procura da mãe em Los Angeles, e aproveitam para mostrar as contradições e os sofrimentos dos imigrantes mex
Publicado 12/12/2008 19:01
O desconforto dos mexicanos que emigram para os Estados Unidos tem sido tema de inúmeros filmes. Alguns, como “Bella”, tentam impor um tom de fábula à narrativa, outros buscam o realismo, a exemplo de “Babel”, Patrícia Riggen, neste “Sob a Mesma Lua”, lança mão do melodrama, tão caro ao cinema mexicano, para contar a história de Rosário (Kate Del Castilho) e de seu filho Carlito (Eugênio Derbez). Às vezes, sente-se que o dramalhão se intromete, impondo um gênero há muito descartado. E percebe-se que este gênero contribui para a narrativa avançar, envolvendo o espectador de tal forma que as lágrimas rolam. Nenhum senão em se usar tais recursos, dado que dentre seus herdeiros estão Almodóvar, que o reciclou para melhor atingir seus intentos. Riggen, no entanto, o mescla a um realismo que beira a denúncia, ao adotar uma abordagem documental ao tratar das relações dos imigrantes com seus patrões estadunidenses. E nisto se constitui o encanto deste “Sob a Mesma Lua”.
A roteirista Legiah Villalobos dividiu a história em dois cenários: a que se passa em Los Angeles, com Rosário, e a que transcorre na Cidade do México com seu filho, Carlito. O que lhe permitiu mostrar como se constroem as rotas de fugas, as formas de pagamento e quem são os agentes que os levam às travessias. Neste lado, ela e a diretora Riggen introduzem o garoto de nove anos, Carlos Reyes, o Carlito, que, nas horas vagas, “trabalha” com Carmem (América Ferrera) numa “agência de imigrantes”. Ali ele aprende o suficiente para fazer uma travessia em condições precárias. O recurso de usar o garoto para estruturar a narrativa retoma o fio comum ao cinema de pôr a criança em situações de risco, aumentando a empatia entre o personagem e o espectador. O ator Eugênio Derbez, com seu jeito desafiador e ao mesmo frágil, contribui para as ações mais fortes, dramáticas e líricas do filme.
Diretora e roteirista não temem entreter o público
É através dele que o risco da travessia fica mais evidente, principalmente porque ela é feita por um casal de jovens americanos, de origem mexicana. Este, sem experiência alguma, mas disposto a ganhar dinheiro, mostram outra faceta da estrutura de emigração clandestina no México e nos Estados Unidos. Funciona como um mercado, com a demanda forçando a prestação deste “serviço”. Mas, em dado momento, cada um tem de se virar por si. Carlito o aprende sob as formas mais perigosas: a do risco de morte e a de ser preso pelos agentes da imigração estadunidenses. Embora inexperiente, ele soma ousadia e coragem para ir adiante. É um personagem típico das histórias de aventura; possui destemor, visão de futuro e uma tenaz vontade de vencer.
Isto obriga o espectador a pôr também para si uma tarefa a de torcer para que Carlito supere todos os obstáculos. Pouco importa se Villalobos e Riggen o manipulam. Compreende-se que ambos não querem ficar só no realismo, na denúncia das más condições de vida e de trabalhos de seus compatriotas. Buscam também entreter, rótulo que nenhum cineasta hoje quer ver em sua cinematografia. As peripécias de Carlito ajudam-nas, a exemplo dos filmes infantis hollywoodianos, tipo “Esqueceram de Mim”, a ir em frente. E introduzem, na segunda parte do filme, outro personagem de aventura, o brutamonte Enrique (Adrian Alonso), que com ele formará uma dupla. Em determinado momento, estamos diante da maldade e da inocência. E você entende que pode estar tanto diante de “Espírito de Colméia” ou de “Frankenstein”, e até mesmo de uma daquelas famigeradas duplas de indefectíveis trapalhões.
Diretora usa situações e personagens comuns em filmes de aventura
Não se pense que estas mesclas de personagens e conteúdos desviam a atenção do principal: as contradições, dificuldades e perseguições a que são submetidos os mexicanos em território estadunidense. Provocam alguns risos, amarelos, na maioria das vezes, e chamam a atenção com mais contundência sobre o que é preciso fazer para sobreviver nesta selva onde menos é menos mesmo. No caso, não ser convidado, não ter visto de permanência, o Green Card, nem profissão ou quem o acolha. Carlito e Enrique se estranham o tempo todo, com o brutamonte querendo se livrar do garoto a todo custo, e este, entendendo o quanto dele precisa, submete-se, não sem mostrar que o outro não sobreviverá sem ele. Sim, as iniciativas cabem a ele, não a Enrique cheio de medos e temores, ainda que seu objetivo seja chegar a Nova York, estando ainda na Califórmia.
É com estes fiapos de gênero, narrativa e conteúdo que Villalobos e Riggen constroem uma narrativa que irá mostrar o cotidiano dos imigrantes. Eles podem trabalhar num restaurante, como lavador de pratos ou garçom; encontrar uma mexicana que os abrigue e leve-os a colher tomate em estufa, cheia de agrotóxicos, que lhes ameace a vida. E serem, de repente, surpreendidos pelos agentes da imigração. A crueza com que a dupla Villalobos/Riggen os põe em contato com estes trabalhos leva-nos a pensar sobre o que não faz o homem, seja lá de que nação for, para conquistar seu espaço numa sociedade cuja estrutura só beneficia, mesmo nos momentos de crise como a atual, a burguesia. Numa cena, o mexicano que levara Carlito para colher tomates numa gigantesca estufa o adverte para o risco de coçar os olhos, senão poderá ficar cego. A aparente segurança é, na verdade, uma armadilha que põe em risco sua sobrevivência.
Solidão de personagem comprova esforço para sobreviver nos EUA
No entanto, Carlito, sendo uma amálgama de personagens e situações comuns a vários gêneros, não difere de sua mãe, Rosário. Também ela é uma vertente de um gênero filme: o do imigrante que sonha com a família, enquanto enfrenta as dificuldades de adaptação, de superação de obstáculos e da conquista do espaço que o tornará cidadão de seu novo país. Tal é o “Eldorado” em que se transformaram os Estados Unidos aos olhos e mentes de pessoas co0muns ( e não só elas) no planeta. Riggen, porém, não o enfeita. Los Angeles é mostrada como uma cidade de grandes espaços, cercas, lojas, postos de gasolina, shoppings e avenidas, onde circulam poucas pessoas. É um imenso deserto. Não poderia haver melhor metáfora para o imigrante: ele é um ser solitário num país que dele necessita, cativa, mas o rejeita. Assim, as relações de Rosário se restringem à amiga Alicia; deslocada que está do ambiente. Quando muito uma festa ou uma conversa atravessada com Paco, por ela apaixonado. Inexiste um olhar para além dos espaços por onde ela circula.
Em “Sob a Mesma Lua” não há a falsa alegria das reuniões de imigrantes. Nem a música que as relacione com o país de origem. Rosário escapa a este estigma nas conversas que tem com o filho, quando descreve o espaço onde está, identifica lojas, restaurantes e postos de gasolina. O tom de fábula que a alimenta e a Carlito é mirar a lua pela janela. Uma indução que os faz sonhar. É o único instante em que todos os espaços são iguais, seja lá onde estiverem. E servem para mantê-los unidos, ainda que distantes um do outro milhares de quilômetros. Nota-se que o encantamento infantil é introduzido sem que o espectador perceba. É a imaginação que alimenta sua relação com o filho, que cresce distante dela. Situação de melodrama, assomado pela música do conjunto que dá carona a Carlito e Enrique em pleno deserto californiano. A canção fala de perda, de paixão e de saudade.
Patrões americanos são mostrados como vilões
Nada, porém, que atenue as agruras de Rosário, em suas relações com as patroas estadunidenses. Uma delas, cheia de chiliques, a quer disponível a todo instante sob pena de demiti-la sumariamente. Ilegal, diarista, sem garantia de contrato de trabalho, não tem como recusar. Está à deriva em país estrangeiro, servindo de mão-de-obra barata para a madame inconstante. Os dólares acumulados ao longo dos anos mal dão para atenuar seus sonhos. Riggen traça um perfil nada lisonjeiro desses burgueses que usam os migrantes para manter estáveis seus lucros e seu nível de vida. São sempre esqueléticos, mal vestidos ou sem sofisticação alguma, caso da patroa de Rosário, ou ríspidos e antipáticos. Atenua apenas, numa situação limite, no desfecho do filme, para equilibrar o estoque de maldades estadunidenses.
Se as duas vertentes da narrativa são permeadas de gêneros, narrativas, estéticas, há em “Sob a Mesma Lua” uma nuance que não deve passar despercebida. O papel que cabe aos homens. Eles são mostrados como frágeis, Paco, covardes, o pai de Carlito, ou brutamonte, Enrique, jamais decididos. Razão existe para que sejam retratados assim: o pai de Carlito por ter deixado Rosário, quando ele era inda um bebê, Enrique por não querer compromisso algum, e Paco por se atirar demais sobre Rosário. Alguns retoques poderiam ser feitos em Paco e Enrique. Ambos, porém, custam a se decidir, e quando o fazem, são influenciados pelas circunstâncias. Uma escolha conteudística comum hoje nas cinematografias. Quase fogem às lutas de gênero, dadas que as oposições não delimitam espaços, antes, porém, confirmam uma tendência do cinema atual, de assumir as mudanças sociais, destacando o papel da mulher.
Iniciativas cabem apenas a Rosário
Em “Sob a Mesma Lua” as iniciativas cabem a Rosário. Ela toma decisões no limite e as leva adiante, deixando para trás a relação amorosa. Esta, em outras circunstâncias, iria ditar sua escolha, com o homem assumindo a tarefa de resgatar-lhe o filho. Nada disso ocorre. Em dado momento o espectador a vê solitária no avião. A ela somente cabe escolher entre as conseqüências da fábula montada para o filho e a entrega total a uma fantasia. A dupla Villalobos/Riggen prefere o dramalhão. Com todas as possibilidades de uma história como esta ser apenas uma estruturação narrativa. Este, no entanto, é o jogo: tem-se que assumir aquilo como real, acontecendo ali, naquele instante. Recurso tão comum a este gênero de filme, tanto no final infeliz quanto no happy end. Lágrimas jorram, pelo desfecho, que, logo após a saída do cinema, ele, espectador poderá perguntar: afinal, cinema é isso mesmo – um truque! E alguém poderá responder: nem sempre!
“Sob a Mesma Lua” (“La Misma Luna”. México/EUA. 2007. 113 minutos. Roteiro: Legiah Villalobos. Direção: Patrícia Riggen.Elenco: Eugênio Derbez, Kate Del Castillo, Adrian Alonso, Maya Zapata, Carmen Salinas, América Ferrera.