Euclides da Cunha e a Transacreana
Em 1905, Euclides da Cunha, então chefe da Expedição de Reconhecimento do Alto Purus, concluiu seu relatório recomendando a construção de uma ferrovia – a transacreana – como uma das principais medidas estratégicas para facilitar a integração regional e i
Publicado 16/06/2009 22:13
Euclides da Cunha chegou a esta conclusão ao tomar conhecimento do relatório de Germano Stiglich, oficial da marinha peruana, acerca das peripécias de um grupo de brasileiros na região do rio Javari, em 1904.
Segundo o oficial peruano os aventureiros brasileiros entravam pelo Javari e subiam o Itacoaí até as cabeceiras. Dali, por terra, buscavam as vertentes do Ipixuna e desciam pelo pequeno tributário até o Juruá, navegando até São Felipe. Penetravam no Tarauacá, Envira e Jurupari, até onde suas canoas ligeiras podiam chegar.
Abandonavam as canoas e novamente por terra rumavam até o Purus, nas cercanias de Sobral. Desciam, embarcados, 760 km rio abaixo até à foz do Ituxi por onde subiam até encontrar o varadouro (1) que lhes permitia alcançar o Abunã e, posteriormente, descer até a margem esquerda do Madeira.
Essa epopéia consumia meses de viagens para vencer algo como três mil km, equivalente ao dobro do percurso que os bandeirantes faziam de São Paulo a Cuiabá. Mas esses bravos sertanistas enfrentavam e venciam todos os obstáculos.
A conclusão do engenheiro Euclides da Cunha foi imediata. Se eles conseguiam superar esses obstáculos em canoas simples e varadouros precários muito mais simples seria através de ferrovias. Chegou a calcular valores e vantagens para escoar, por exemplo, as quase 9 mil toneladas de borracha que a região produzia.
Aos que ponderavam as dificuldades de construir uma ferrovia numa região de várzeas, alagada, com a necessidade de construir pontes sobre rios e igarapés, ele contra-argumentava com a experiência da Índia. Os ingleses construíram a West Indian Peninsular vencendo idêntica situação e transpondo os rios Ganges e Punjab.
Não se intimidava, igualmente, com o argumento de que a ferrovia ligaria “o nada a coisa nenhuma”. Dizia: “… a linha acreana, a exemplo da Union Pacific Railway, não vai satisfazer um tráfego, que não existe, senão criar o que deve existir”.
O que patriotas da envergadura do autor de “Os Sertões” já compreendiam há mais de um século – necessidade estratégica de integração nacional e internacional – até hoje parece ser algo exótico para certas correntes de opinião.
No momento em que o país assiste, entre intrigado e atônito, os órgãos ambientais procrastinarem por mais de 05 anos a concessão de uma licença ambiental para recuperar a BR 319, que liga Manaus a Porto Velho, é mais do que oportuno se refletir sobre essa polêmica.
Boa parte dos que se levantam contra a recuperação de uma rodovia que existe desde os anos 70 tem, de fato, justa preocupação com a questão ambiental. É gente sincera. De fato preocupada com o aquecimento global e os efeitos colaterais dessa tragédia. Mas outra parcela, traduzindo a estratégia de potências estrangeiras, vê nessa cruzada um instrumento útil às suas pretensões de “transformar a Amazônia em patrimônio da humanidade”.
E no conteúdo, infelizmente, ambos se orientam pela teoria “santuarista”, que advoga o bloqueio integral da Amazônia como forma de assegurar a preservação dos recursos naturais da região como fonte de suprimento para as potências estrangeiras.
Se nós compreendemos que não há desenvolvimento sem sustentabilidade e nem sustentabilidade sem desenvolvimento, significa dizer que entendemos que, dialeticamente, todo tipo de ação provoca algum tipo de impacto ambiental.
A legislação ambiental, por conseguinte, não visa impedir genericamente toda e qualquer ação humana sobre a face da terra. Visa disciplinar o uso dos recursos naturais. A pretensão da boa doutrina ambiental é estabelecer mecanismos que possa minimizar e ou compensar os eventuais impactos provocados pelas ações que forem imprescindíveis ao desenvolvimento nacional e ao bem estar da população, especialmente das camadas populares.
O agente público que condiciona a concessão de uma licença ambiental ao rigoroso cumprimento das exigências e normas legais está cumprindo o seu dever. É um servidor zeloso. Aquele que procrastina a licença sob os mais variados pretextos, mesmo após o cumprimento das exigências, está administrativamente prevaricando e, politicamente, a serviço dos que defendem a internacionalização da Amazônia.
Não me parece razoável alguém desconhecer a importância estratégica da integração nacional, especialmente da Amazônia, uma região historicamente cobiçada, detentora de um extraordinário manancial de recursos naturais e, objetivamente, o ultimo espaço vital do planeta.