Ave Aloísio*!

Hoje chora um pai. Pranteia uma filha. Também choro, choramos, pelos que choram. Avança o crepúsculo e nunca o verbo me pareceu tão pesado, insólito, incógnito.

Pesa muito, toneladas sobre os ombros e emoções que se derramam em dilúvios e corredeiras de dor. Um augúrio confirmado antecipa a longa noite, talvez insone, talvez letárgica. Como letárgica é a dor diluviana que nos acomete. Chora um pai, Aloísio, que, afeito à tragédia, há muito precisos cinco anos, chorou fraterno, altaneiro Enéas, e ontem, ainda sonhando com a vida de uma flor em botão, teria a prantear um velho cravo, de nome Saramago, que o mundo, desabado, pranteou. Para quem — comunista confesso e sem tempo e vontade para mudar de idéia — a diferença entre a vida e a morte ganhava asas no abismal paradoxo e na distância entre estar e não estar. Assim, doído e preciso, se definiu o vácuo no âmago do verbo, não estando mais — sob ou sobre as águas igualmente diluvianas — Sara-mago, Lili e os mártires das intempéries das terras de China, Pernambuco, Alagoas, em perverso prenúncio dos tempos. Assim, sem redimir um pai em prantos neste 19 de junho, inúmeros não estão — e não mais estarão. Mas, inapelável, chora profundamente tio Flávio, uma irreparável e irretorquível perda de “21 anos de muita alegria e jovialidade”, que deitou sua voz no primoroso canto da “nossa menina”. Mas chora mãe, Dom, tio Inácio, choram e choram tios, primos, irmãos, amigos, choram os que, estando, restaram. Restaram pasmos e ofendidos pela sorte de estar, enfrentando a longa, temível, silenciosa madrugada. Mas eu vi, juro que vi, e gravei no real cinema da fronteiriça imaginação. Vi um pai sobreviver a uma filha e, cavando forças diante da fria e distante cova, pronunciar confissões sobre o seu estar e não estar, coração pisoteado, arrebatado, secando lágrimas e derramando sentimentos sobre quem o ouviu. Juro que vi. E não sei se teria, se algum pai teria, as mesmas forças para assim se expor, driblar o adverso, confrontar fantasmas e, diante do sol ainda remanescente e fugidio, enfrentar a escuridão.

E avança a noite sobre o crepúsculo em busca determinada de uma nova aurora, anunciando: Ave Aloísio, na tua energia guerreira, Alexandra — eternamente, doce, musical, afetuosa — estará!

Sob forte, presente e solidária emoção,

Luiz Carlos Antero

*O petroleiro Aloísio Arruda, do PCdoB, perdeu sua filha Alexandra, de 21 anos, num acidente de trânsito em Fortaleza, na madrugada do dia 16 de junho, quando trafegava sozinha. Alexandra, após a constatação de morte encefálica, passou por uma autorizada avaliação quanto à doação de órgãos. Alexandra era sobrinha do nosso camarada senador, Inácio Arruda — irmão de Aloísio.

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