Quem são os inimigos da Burocracia?

Quer insultar um servidor público? Chame-o de burocrata. Quer responsabilizar algum serviço como ineficiente? Culpe a burocracia. Afinal, por que essa importante tipologia da Administração Pública, detectada por Max Weber desde muito antes da Revolução Industrial, no Egito antigo e na China, é tão combatida e insultada nos dias atuais?

No campo político e ideológico, parece que tanto a esquerda como a direita marcham juntas no enfrentamento à Burocracia. Pelo bloco socialista, teria sido ela uma das principais responsáveis pela queda da União Soviética. Pelo campo capitalista, a culpada pelo esgotamento do modelo de Estado de Bem Estar social. Como alternativa à Burocracia, é apresentada a New Public Management, com enfoque gerencial, cuja experiência pioneira mais marcante foi a Inglaterra, de Margareth Thatcher. 

Faz parte do ideário geral do chamado Estado Gerencial, segundo Junquilho (2000), a noção de gasto público como custo improdutivo ao contrário de investimento coletivo e social; a identificação dos servidores públicos como hostis à sociedade; crítica à interferência negativa do Estado nos mercados; a importação de práticas gerenciais comuns ao setor privado da economia; a ênfase na importância do poder e na mudança de papel dos chamados administradores públicos para gerentes ou gestores públicos profissionalizados, etc. Por acaso não são estas as premissas básicas defendidas pelos neoliberais?

A desconstrução da Burocracia e o ataque quase generalizado contra suas estruturas servem, portanto, aos pregoeiros de um Estado mínimo, enxuto, norteado pelos princípios de gestão empresarial. As crises seriam inerentes ao Estado burocrático, incapaz de cobrir as despesas estatais. As tensões sociais seriam meras questões de ordem técnica, de má governança.

Obviamente, não é o tipo de Administração (patrimonialista, burocrática ou gerencial) que vai superar as crises cíclicas do capitalismo. James O’Connor, no auge da crise fiscal norte-americana dos anos 1970, destacou sua causa não no sistema burocrático, mas na contradição intrínseca da própria produção capitalista, ou seja, o fato de a produção ser social enquanto os meios de produção ser de propriedade privada. “Em longo prazo o capital monopolista socializa, mais e mais, os custos de capital e as despesas de produção. Entretanto, os lucros não são socializados”.

Uma das críticas mais frequentes à Burocracia é o que poderíamos chamar de “desumanização” das relações de trabalho, onde as regras seriam formais e impessoais. Ora, esse processo de alienação do trabalho não é próprio do sistema capitalista?

Por sua vez, a Burocracia teve seu aspecto revolucionário ao suplantar dominação tradicional caracterizada na Administração Pública Patrimonialista. A partir de sua emergência, a chamada dominação legal prevalece e as relações de mandato não mais são exercidas em relação à tradição de um senhor ou monarca, mas por meio de regulamentos de caráter racional, rompendo as amarras da sociedade tradicional com seus usos e costumes seculares. É a vitória da impessoalidade sobre a pessoalidade, ou da razão sobre a tradição (Motta, 2000).

Ainda segundo Motta, citado por Junquilho (2010) as estruturas burocráticas apresentam características importantes, tais como a separação da esfera de vida pessoal familiar e privada da inerente ao trabalho; a regularidade e a continuidade na dinâmica dos assuntos oficiais; a estipulação, por meio de regras impessoais (leis, decretos, portarias), para cada funcionário público; a definição de uma hierarquia administrativa (organograma), baseado no mérito; a distinção entre o que é recurso público e privado; a criação de cargos públicos e não privativos dos seus ocupantes, não podendo, portanto, serem vendidos, herdados ou concedidos; o ingresso para os cargos da carreira na Administração Pública realizado via concurso público por meios meritocráticos, entre outras.

Com o enfraquecimento do Estado Nacional, as chamadas “disfunções” da Burocracia, ou seja, aquilo que no senso comum costumamos de chamar de burocracia no serviço público, começaram a ganhar grande relevo. O formalismo, isto é, o exagero de normas legais que levam ao famoso jeitinho; o excesso de carimbos, papéis e procedimentos administrativos, etc., são disfunções que precisam ser combatidas (e não a Burocracia como um todo).

Não se trata de defender a Burocracia como um modelo perfeito, ideal. Mas tampouco me parece correto seguir a manada dos que atribuem todos os problemas do mundo a ela. A Burocracia não é a inimiga dos trabalhadores e necessita ser reinventada à luz do marxismo. Já a Nova Gestão Pública, tão defendida pelos tucanos…

Bibliografia Consultada:

JUNQUILHO, Gelson Silva. Ação gerencial na Administração Pública: a re/produção de “raízes” brasileiras. 2000. Tese Doutorado em Administração – UFMG, Belo Horizonte, 2000.

MOTTA, Fernando Cláudio Prestes. O que é burocracia. 16. Ed. São Paulo: Brasiliense, 2000.

O’ CONNOR, James. USA: a crise do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

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