“Sejam Muito Bem-Vindos”: Vértices de si mesmos

O cineasta francês Jean Becker traça um perfil do interior da França a partir do conflito entre um idoso em crise e uma adolescente desprotegida

As mudanças urbanossociais nas metrópoles padronizam o comportamento dos adultos e jovens do interior. A partir da crise de criatividade do artista plástico Taillandier (Patrick Chesnais) e dos impasses da adolescente Marylou (Jeanne Lambert), o cineasta e escritor francês Jean Becker revela neste “Sejam Muito Bem- Vindos” os comportamentos ditados pela mídia, a moda e o consumismo. Estes se configuram no celular, que obriga Taillandier falar a todo instante com sua companheira Alice (Miou-Miou), embora queira ficar longe dela, e impedem Marylu desligar-se da TV, do fast food e das lojas da moda.

O que se vê nas perambulações de Taillandier pelo interior da França é congestionamento, postos de gasolina com autosserviço, contas de restaurantes e lojas pagas com cartão de crédito. Estrutura de 1º Mundo, claro, mas inexiste diferença entre Paris e as cidadezinhas por onde Taillandier circula de carro. Falta nelas o traço interiorano, o comportamento que identifiquem seus moradores. É esta padronização que ditará a relação entre Taillandier, de 62 anos, e a adolescente de 15 anos; Marylu age como se adulta fosse, caso as leis não a enquadrasse.

O encontro deles no semáforo não poderia ser mais significativo. Ele está perdido, depois de lhe faltar coragem para consumar seu plano, ela desesperada por ter sido expulsa de casa. Eles se atritam como dois casais em plena crise, e estão apenas se conhecendo. A partir daí, Becker leva-os a percorrer uma série de caminhos, situações e autorrevelações. Cada um deles aferra-se ao seu ponto de vista sem atentar que precisam um do outro. Enquanto ela está chegando à juventude, ele enfrenta o dilema na terceira idade.

Visões opostas do comportar

As situações criadas ao longo do filme oscilam entre o drama, o road-movie e a comédia. Com a naturalidade de sua geração, Marylu não se preocupa em se mostrar bem comportada diante de Taillandier. Ele, por seu turno, se irrita com o jeito dela. Numa sequência ela se veste e se pinta “como se fosse para a calçada noturna”, noutra ela se estende de maiô sensualíssima na praia, enquanto ele a pinta. E desta forma Becker diferencia o comportamento deles e nega, ao mesmo tempo, duplas intenções.

Taillandier faz jus a seu conservadorismo ao chamar atenção dela: “E precisa se oferecer desse jeito?” Ela dá de ombros. Mas a melhor sequência é a da praia. A ninfeta, sem cerimônia, possa para ele, provocando-o. Ele, de novo, se enerva, ela lhe responde: ”Não está gostando de minha b…?”. Não é isto, escapa Taillandier. “Ele é bonito”, devolve ela. Há neste curto e erótico diálogo um jogo logo desfeito por Becker. Taillandier quer, na verdade, protegê-la, intenção que ela desdenha. É então que a falsa pista da primeira parte do filme é desvendada.

A carabina, instrumento de ação dos policiais hollywoodianos, de afirmação de poder, masculinidade e vingança, é usada por Becker de forma diversa. Quase justifica a violência com que Taillandier defende Marylu da tentativa de estupro à noite na praia. A arma que teria outra finalidade torna-se o instrumento de libertação dela e de encontro entre eles. Taillandier se torna, a partir daí, não o parceiro, mas a figura paterna, o avô que ela jamais teve. E ela, por sua vez, se torna útil longe das brigas com a mãe e o padrasto.

Taillandier e Marylou se autoinfluenciam

Os demais personagens, neste “Sejam Muito Bem-Vindos”, gravitam em torno deles em situações que reforçam a narrativa, clareiam os entrechos, ampliam o tema central. Além disso, Becker trabalha importante subtexto para o espectador compreender as mutações do interior da França, seus impasses sociais, familiares, conflitos juvenis. Marylu é viciada em TV, em seriados, em novelas, o que ataranta o idoso Taillandier. Ela se veste como as jovens de sua geração, sem atentar para o exibicionismo e o carregar na maquiagem. Pouco importa o que o outro irá dizer, Taillandier terá de absorver isto.

Mas Becker está mais interessado na capacidade deles intercambiar suas tendências e visões. Ela está atenta ao conservadorismo dele, com suas calças jeans e camisas xadrez. Irá adaptar-se não às exigências ultrapassadas dele, nem ele às imposições do consumismo, da moda e da mídia às quais ela se submete. Eles irão se tornar aceitáveis para si mesmos. E Becker não cai na contestação pura e simples, acredita, porém, na capacidade de cada um deles escapar às armadilhas do sistema. Principalmente de Taillandier, preso à mercantilização de sua arte.

Enquanto seu amigo escultor Max (Jacques Weber) sobrevive vendendo poucas peças, ele enriqueceu. Max lhe diz, sem meias palavras, que ele está se repetindo, ou seja, é refém do mercado de arte. Seu encontro com Marylu acabou libertando-o duplamente: do sucesso e do mercado. Assim o filme, cheio de elipses e falsas pistas, acaba sendo uma contundente critica da engrenagem moedora do capital. Em seus 80 anos, Becker está lúcido.

“Sejam Muito Bem-Vindos”. (“Bienvenue parmi Nous”).
França. Drama. 2011. 90 minutos.
Fotografia: Arthur Cloquet.
Roteiro: Jean Becker, François d´Epenoux.
Diretor: Jean Becker.
Elenco: Patrick Chesnais, Jeane Lambert, Miou-Miou, Jacques Weber.

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