“O Dia Que Durou 21 Anos”: Golpe dos ianques
Em documentário sobre o Golpe Militar de 64, cineasta brasileiro Camilo Tavares denúncia a articulação dos EUA para derrubar o Governo Goulart
Publicado 26/06/2013 14:29
Difícil deixar o cinema, após assistir a este impactante “O Dia Que Durou 21 Anos”, sem confirmar a adágio popular: “A mentira se impõe enquanto a verdade não chega”. Pois é da verdade que o cineasta Camilo Tavares trata em seu filme de 77 minutos. Uma verdade que se arrastou por várias décadas, até suas poderosas imagens em preto e branco confirmar o que já se escrevia desde o Golpe Militar de 31 de Março de 1964: os EUA articularam e a burguesia e as forças armadas nacionais deram o golpe de estado, que o “Movimento pelas Eleições Diretas” encerrou em 1985.
Imagens de arquivo mostram os presidentes John Kennedy (1960/1963) e Lyndon Johnson (1963/1968) em seu gabinete, o Salão Oval, em articulações com o embaixador Lincoln Gordon (1916/1998) e o general Vernon Walters (1917/2002), adido militar no Brasil, para derrubar o Governo João Goulart (1913/2009). Johnson diz numa das reuniões que “não iria tolerar uma nova Cuba” no continente americano. Dessas conversas saíram milhões de dólares para as organizações de direita IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), os partidos políticos conservadores, liderados pela UDN (União Democrática Nacional), e a mídia burguesa alardearem o perigo de uma “revolução comunista” no Brasil.
Kennedy e Johnson são vistos em duplas imagens, no Salão Oval e nos noticiários da época criando o clima para a intervenção no Brasil. Imagens de porta-aviões e aviões ao largo da Baia da Guanabara confirmam suas decisões. E o sinistro Vernon Walters, ex-chefe da CIA, elo militar dos EUA com os golpistas nacionais, aparece tramando a queda do Governo Goulart e a interrupção violenta da democracia brasileira.
Imagens desmentem mentiras de Gordon
Mas é o embaixador Lincoln Gordon que evidencia seu papel de articulador político do Golpe Militar de 64. Suas mentiras de que jamais intervira, limitando seu papel a comunicados rotineiros à Casa Branca, esboroam diante de suas imagens frente a frente com os citados presidentes. Os depoimentos do general Newton Cruz, ex-chefe do SNI, e do coronel Jarbas Passarinho, ex-ministro da Educação, da Ditadura Militar, justificam a intervenção dos EUA com o “temor da revolução comunista” no país.
Os depoimentos de analistas políticos, de historiadores nacionais e estadunidenses e do ex-secretário da embaixada dos EUA em Brasília ajudam o espectador a apreender o significado das poderosas imagens a que Tavares teve acesso. A pesquisa coube a seu pai, Flávio Tavares, jornalista e militante do MNR, libertado em 1969, em troca do embaixador dos EUA Charles Burke Elbrick, seqüestrado pelo MR-8 em 04/09/69. Um belo trabalho de garimpagem para desfazer as mentiras sobre a suposta neutralidade dos EUA, no Golpe de 1964.
O que se percebe no filme é o trabalho feito pelos EUA e seus executores no país (forças armadas, partidos de direita, organizações de fachada e a mídia burguesa) para solapar as estruturas democráticas brasileiras, no clima da Guerra Fria (1945/1991) que opunha os EUA à União Soviética (1917/1991). Sentiram-se “ameaçados” pelo movimento democrático, liderado pelas forças progressistas e de esquerda que lutavam contra as oligarquias e o imperialismo ianque e reivindicavam reforma agrária e reformas políticas e sociais.
Combinar o hoje com a utopia
Tavares expande seu filme ao mostrar o pós-golpe, a consolidação da Ditadura Militar, a resistência estudantil e das organizações políticas de esquerda. Ele se torna documento importante para a Comissão da Verdade, que colhe depoimentos e cataloga documentos para desvendar os diferentes elos da teia montada pela Ditadura Militar. Mas também traz lições para as novíssimas gerações, a que começou ir às ruas em 06 de junho passado. Os jovens da geração da década de 60 combinavam o imediato: a luta contra a Ditadura Militar e o imperialismo ianque, com o sonho: a substituição do Capitalismo pelo Socialismo.
Se no imediato as conquistas ampliam espaço para novas reivindicações, na utopia, é preciso ver as rachaduras do sistema capitalista e criar condições para substituí-lo. No momento histórico atual, do pós-neoliberalismo, da crise do capitalismo e da ascensão dos países emergentes, a utopia reveste-se do comprometimento político-ideológico e da identificação dos segmentos capitalistas (financeiro, industrial, agronegócio), que se apropriam da riqueza e deixam trabalhadores e camadas médias com as sobras.
No Brasil, país do capitalismo subsidiado, a burguesia nacional continua na década de 50, concentrando 90% da riqueza nacional. Enquanto isto, nos últimos 10 anos, o país se tornou a sétima economia do planeta. Enquanto ela, a burguesia, mantém-se predadora, trabalhadores e camadas médias despertaram para o arcaísmo das forças conservadoras que a sustentam e reivindicam profundas mudanças nas relações político-econômicas. Este despertar requer mirar-se na utopia para não se contentar com o atendimento do imediato. O impossível de hoje pode ser o possível de amanhã.
“O Dia Que Durou 21 Anos”.
Documentário. Brasil.
2012. 77 minutos.
Música: Dino Vicenti.
Fotografia. André Macedo, Cleumo Segond, Luiz Myiasaka, Márcio Menezes.
Entrevistas: Flávio Tavares.
Direção/roteiro: Camilo Tavares.