“Lumumba” Independência tutelada
Cineasta haitiano Raoul Peck traça o perfil do revolucionário congolês Patrice Lumumba e expõe a trama belgo-estadunidense para assassiná-lo
Publicado 16/08/2013 10:06
As cinzas do líder revolucionário congolês Patrice Emery Lumumba (1925/1961) foram espalhadas pelas savanas da província de Katanga. Não se trata de homenagem de seu povo, foi uma estratégia de seus executores, para que ele não seja localizado. A Bélgica, os Estados Unidos e seus aliados congoleses queriam, com isto, manter o Congo sob seu controle. E o fazem desde 1885, quando os belgas o obtiveram na Conferência de Berlim, que dividiu a África entre os países colonialistas europeus.
O cineasta haitiano Raoul Peck se valeu de dois filmes para traçar um impactante perfil de Lumumba: o documentário “Lumumba, a Morte do Profeta” (1992), e o longa-metragem “Lumumba” (2000). São obras que permitem ao espectador dimensionar a contribuição do líder congolês para as lutas de libertação africanas e, por que não, terceiro-mundistas. No primeiro, de 69 minutos, ele foge ao esquemático ao começar mostrando Bruxelas, em planos fechados de fachadas de prédios, ruas desertas, pedestres compenetrados. Aponta assim para onde vai a riqueza do povo congolês.
Além disso, Peck busca suas reminiscências em Léopoldville, atual Kinshasa, capital do Congo, para onde mudou com a família ainda criança. É como se ele escavasse em si as raízes da luta de Lumumba. Ao fazer isto desvenda para o espectador o próprio Lumumba, filho de camponeses pobres, estudante em escola de missionários, que foi portuário, funcionário dos correios, gerente de empresa comercial belga. Seu aprendizado passa pelas lutas sindicais e as redações dos jornais “Uhuru” (Liberdade) e “Independence”.
Luta política e luta popular
Ele desperta para a luta política, participando do PLB (Partido Liberal Belga), e depois organizando e liderando o MNC (Movimento Nacional Congolês), de esquerda, em 1958, que logo se torna o maior partido do país. O que lhe rende perseguições, prisões e torturas em cubículos de chão de terra, com apenas cama e uma lata. Em off Peck circula por sua vida, a de Lumumba e a da Bruxelas urbana, numa recorrência aos brutais matizes do colonialismo belga. Emerge daí o carismático líder congolês, que liderou o movimento popular que conquistou a independência do Congo em 30/06/1960.
No entanto é no ficcional que o líder surge por inteiro na impactante figura do ator Eriq Lebonaney. Ele deixa o espectador em suspenso com pequenos gestos, olhares, ombros caídos e uma voz cortante. Sobretudo nas sequências em que descobre que o Congo vive uma “independência tutelada” e ele cercado de falsos aliados. O cargo de primeiro-ministro tornou-se um fardo, sob a presidência do direitista Joseph Kasavubu, militar formando na Bélgica e nos EUA. A Força Pública continuava comandada por um major belga, carrasco racista, que sempre o confrontava. A saída foi demiti-lo e nomear um “homem de sua confiança”, para evitar um golpe de estado.
Sua estratégia, acertada, acabou sendo uma armadilha. O militar indicado por ele, companheiro de lutas pela independência, Mobutu Sesse Seko (Alex Descas), nem bem assumiu o cargo submeteu-se ao comando do embaixador estadunidense Clare Templeton. Mubutu para dificultar ainda mais a situação de Lumumba massacrou centenas de belgas e congoleses, abrindo espaço para o golpe articulado pelo diretor da CIA, Allen Dulles, no Governo Kennedy, que o acusava de ser aliado à URSS.
Mobutu seguiu os EUA
A sequência em que Lumumba se descobre isolado é cheia de nuances, traduzindo toda sua frustração. Mobutu escuta, retruca sem insistir, ele esbraveja, sem ouvir respostas convincentes. ”Eu não recebi ordens, então agi”, explica o militar. “Mas eles vão culpar a mim”, retruca Lumumba. Sua queda começa ali. Pouco importava aos EUA e a Bégica e a seus aliados congoleses, Kasavubu e o separatista Moisés Tshomb, da província de Katanga, a pobreza dos congoleses. A eles só interessavam as jazidas de cobre, estanho, manganês, diamantes, ouro e carvão.
As consequências de Lumumba se afastar da independência tutelada imperialista logo veio. Em 05/09/1060, Kasavubu o demite. Em seguida é preso com seus fiéis assessores, Mpolo e Okito. E depois levados para a execução em plena savana. Seus corpos são cortados e queimados em tambores. Nenhum vestígio restou deles. A tática imperialista de sumir com os corpos vem de longe (Vide Bin Laden). No entanto, Lumumba continua vivo.
Peck optou por estruturar um thriller-político, que permite ao espectador apreender os interesses dos envolvidos na trama. Mas há sempre uma variação de sequências que mostra a relação familiar de Lumumba com a filha e a companheira Pauline. Forte o suficiente para não abandoná-las e ser preso pelos já citados carrascos. É uma visão menos ideológica que a de Valério Zurlini em seu “Sentado à Sua Direita” (1965), que discute o imperialismo de forma mais contundente ao retratar Lumumba (Woody Strode). Peck tende mais a Olivier Stone, mesclando o espetáculo à denúncia “Nixon” (1995). Não fez mal.
– “Lumumba, a Morte do Profeta”. Documentário. Alemanha, França, Suíça. 1992, 69 minutos. Direção: Rauol Peck.
– “Lumumba”. Thriller/político. Alemanha, Bélgica, França. 2000. 116 minutos. Direção: Raoul Peck.
(*) Exibidos na Mostra Raoul Peck, com outros quatro filmes, organizada pelo Cine Sesc Palladium, de 01 1 11/07/2013, em BH/MG.