“Tragédia Japonesa” Duplas perdas

Os desastres naturais e nucleares em Fukushima e as escolhas pessoais refletem na vida de pai e filho neste drama do cineasta japonês Masahiro Kobayashi.

As feridas do desastre provocadas pelo terremoto e o tsunami em Fukushima em 2011 não cicatrizaram. Ainda levará tempo para seus efeitos serem avaliados, dado ao vazamento da usina nuclear e a não recuperação financeira e psicológica dos que perderam familiares, amigos e pertences. A partir de um microcosmo, a relação entre pai e filho, o cineasta japonês Masahiro Kobayashi procura lançar luzes sobre estas consequências, mas as perdas são irreparáveis.

Tragédia Japonesa” trata da dualidade entre a vontade de viver e o desejo de morrer. O pai Fujio Murai (o kurosawniano Tatsuya Nakadai) acaba de receber o diagnóstico de que tem câncer, e o filho Yoshio (Shinobu Terajima) já não tem esperança de que sua companheira e a filha do casal sobreviveram ao tsunami. O pai acha que, a partir do diagnóstico, já viveu o bastante, e o filho tenta dissuadi-lo dessa ideia. São com estes parcos recursos dramatúrgicos que Kobayashi mantém a atenção do espectador, tirando-o do alheamento do drama humano.

Toda a ação se passa no apartamento do pai, onde ele e o filho se movimentam no quarto e na cozinha. Com o tempo, irão se isolar; ele na cama, diante da foto e das cinzas da mulher, Toshio dividindo-se entre a cozinha e o corredor. Kobayashi, à Ozu (“Viagem a Tóquio”, 1953) mantém a câmera baixa, usando fixos planos sequências e poucas cenas. Apenas Yoshio se movimenta desesperado, Fujio permanece imóvel, entre lembranças e a espera da morte. Enquanto a tragédia natural e nuclear continua do lado de fora. É como se eles se isolassem para decidir suas vidas.

“Não preciso de sua pensão”

Só isto basta para Kobayashi construir um drama tenso e corrosivo. Ele trata não só das 20.000 mortos e desaparecidos de Fukushima, mas de outra tragédia japonesa: a dos 31.560 suicídios registrados em 2010 em seu país. Nesta se enquadra o pai – o filho é apenas vítima afetivo-psicológica. Kobayashi, assim, inverte o clichê de o pai injetar vida no filho – aqui é Yoshio quem tenta trazê-lo à vida. Só lhe resta o idoso pai, pois suas certezas sobre a sobrevivência da companheira e da filha se esvaíram. Então, esforça-se para fazê-lo abrir a porta e desistir de sua fixação na morte.

“Eu não preciso de sua pensão, quero que saia”. Este seu desesperado apelo esmurrando a porta, aos berros, chorando, com o câncer consumindo a vida do pai beira o sublime. Atinge profundamente os insensíveis. A câmera de Kobayashi permanece imóvel, flagrando cada movimento de Yoshio. “Pai, abre! Aaabríííí!!!!”. Nenhum corte para a reação do pai. Só a luz substituindo as sombras, com a porta continuando fechada, Yoshio dormindo nela recostado. Todas as respostas estão neste longuíssimo plano sequência.

Noutro plano sequência, que antecede seu desespero, ele e o pai estão à mesa, um diante do outro. Kobayashi mantém a câmera à distância, observando sua tentativa de convencer Fujio a se alimentar, tratar o câncer, viver. Apenas ele fala, Fujio escuta por minutos, num plano sequência de mais de dez minutos. O apelo do filho vai num crescendo, sem romper a resistência do pai. Esta dualidade permeia todo o filme. O duro embate entre a vida e a morte. Há, no entanto, mais em jogo. O direito de o doente escolher entre um e outro. O suicídio ou o tratamento.

Preto e branco é o presente

Existe ainda outra inversão neste filme em preto & branco, recurso usado recentemente por vários cineastas para dar conta de sua estética e da história que contam (Michel Hazanavicius, em “O Artista”, 2011; Pablo Berger, em “Branca de Neve”, 2012). Ao invés de o p&b ser o passado, ele é o presente, a zona cinzenta, em que os personagens se encontram. O colorido é o passado de Fujio. É nele que está o melhor de sua vida, lembrado com alegria diante do retrato e das cinzas da companheira (Kazuki Kitamura). Assim como a chegada da neta, que ele comemora com Yoshio, numa rara intimidade entre eles.

Kobayashi, sem discurso, trata do limite que a vida de Fujio atingiu. Inexiste retorno ou recomeço em sua visão. Ele diz: ”Já vivi tudo que devia”. A companheira morreu subitamente; nora e neta foram tragadas pelo tsunami e, para complicar, ele tem câncer no pulmão. Resta-lhe Yoshio, mas este por mais que o ame não reporá o que perdeu. Só a ele cabe decidir se vive ou se deixa consumir pelo câncer. Deste modo, “Tragédia Japonesa” trata da escolha do pai e do amor do filho por ele, sem cair no dramalhão ou na autopiedade.

Desta forma, Kobayashi alia a questão pessoal, individual, à coletiva, social. Existem as obrigações do Estado, caso da usina nuclear e da proteção do cidadão contra os desastres naturais, e as escolhas do cidadão de dispor de sua vida, segundo suas convicções e opções ditadas pelos limites impostos pela sociedade. Serve para refletir sobre os caminhos ditados pelo Estado e o próprio cidadão. A questão é entender os limites de um e outro, porquanto eles se interinfuenciam e a existência é ditada por ambos. Difícil separar.

“Tragédia Japonesa”. (“Nihon No Higeki”). Drama. Japão. 2012. 101 minutos. Fotografia: Sumio Ohki. Roteiro/direção: Masahiro Kobayashi. Elenco: Tatsuya Nakadai, Shinobu Terajima, Kazuki Kitamura.
(*) Exibido no 13ª Indie Mostra do Cinema Mundial – BH – 06 a 12/09/2013, realização de Zeta Filmes.

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