“A Floresta de Jonathas” Labirintos amazônicos

Economia de subsistência, choque de culturas e descobertas amorosas na floresta amazônica são os temas deste filme do cineasta amazonense Sérgio Andrade

Na abertura deste “A Floresta de Jonathas” a ligação entre a família e o mundo exterior é a rodovia, que corta a floresta amazônica. Por ela passam centenas de veículos diariamente, seus ocupantes compram na barraca de frutas e se informam sobre o resto da viagem. Mas o que predomina é o intrincado de árvores, de verde intenso, segredos e armadilhas. O capital, por mais que tente vergá-la à sua cobiça, ainda não domina a Amazônia 100%.

 
Então é ela, a floresta amazônica, o personagem onipresente que o cineasta amazonense Sérgio Andrade introduz devagar em seu filme de estréia. Ela oferece sustento à família de Francisco (Francisco Mendes), sua companheira e os dois filhos, Jonathas (Begê Muniz) e Juliano (Ítalo Castro), e os prazeres desfrutados pelos turistas estrangeiros. O espectador vê-se então envolvido em mitos e crenças amazônicos e o desespero de Jonathas.
 
Andrade estrutura o filme em três partes, bem delimitadas: I – A economia de subsistência, unindo colheita e venda na barraca à beira da rodovia, e a relação conflituosa de Francisco com Juliano; II – A influência que Juliano exerce sobre Jonathas e sua fuga de casa, III – A paixão de Jonathas pela ucraniana Milly (Viktoryia Vinyanski), a lenda da fruta silvestre e os intrincados labirintos da floresta, com seus mitos indígenas e mistérios. Mas o encadear das partes custam a se estruturar para ganhar sentido.
 
         O perigo vem do exterior
 
Assim, “A Floresta de Jonathas” não é um filme em que fios, entrechos e eixo centrais se reforcem; são tênues nas duas primeiras partes e fortes na última. Isto porque inexiste um fato detonador da ação. Este vai surgindo, quase que inesperadamente, através dos conflitos entre pai e filho. Estes não são intensos, nem mostram com clareza as razões da quebra do equilíbrio familiar. O espectador tem que intuir. Os personagens ficam entregues mais à economia de subsistência, que reagindo ao que os ameaça, de fato.
 
Também as motivações não são internas, mas externas, via rodovia, símbolo do “progresso”. O espectador, no entanto, tem de apreender estas nuances, Andrade apenas as põe na tela. Jonathas só vê o irmão partir, sem contrapor-se à ira do pai. Assim, quando o conflito entre pai e filho, Juliano, se estabelece, o choque é encerrado com a súbita frase: ”Você está expulso”. Ao invés de ser uma condenação significa liberdade para ele.  
 
É então que o filme ganha outros contornos, embora inexista uma história, ela surgirá ao longo dos entrechos, com o espectador montando-a em sua mente. O fator motivador de Juliano é seu contato com os turistas, os jipes e caminhonetes, não a labuta diária. É também o fator de desagregação familiar: o possuir, o desfrutar. Jonathas, ao unir-se a Juliano, também será seduzido pelo “novo”, não delineado por Andrade. Há, porém, uma troca entre ele e Milly: a estrangeira, de país longínquo, atenta à sua cultura afroíndigena.
 
        Jonathas é fruto da miscigenação
 
É a relação deles que abrirá o leque intercultural tanto em relação a ela, Milly, ucraniana, quanto a ele, Jonathas, brasileiro, produto da miscigenação de índio, africano e europeu. Eles intercambiam experiências, checam visões, embora Andrade não as aprofunde. É o Brasil, país de maioria afrodescendente, ainda que lhe seja negada pela burguesia o acesso à riqueza por ele criada, revelando suas múltiplas faces na tela. Jonathas e Milly ficam ali, na praia, dormindo em barracas, apaixonados, livres de preconceitos.
 
Existem, no entanto, barreiras outras, ditadas pela cultura, a lenda que atiçada pela troca intercultural, amorosa, ainda não superou crenças e mitos primitivos. Jonathas mostra sua ingenuidade e inocência ao valer-se dela para presentear sua amada. Embora viva dos frutos da floresta, ele não domina seus labirintos, sons, ruídos e seres. Nem as “virtudes” e “facilidades” do celular, com GPS ou não, podem salvá-lo. Ela o engole; vigiado pelas divindades e indígenas que a conhecem.
 
Nesta terceira parte Andrade cria uma profusão de falsas pistas, recursos primários usados por Jonathas, que desnorteia o espectador. Une suspense ao temor da floresta, de seus habitantes e de suas armadilhas. O filme ganha em conteúdo e dinâmica. E o próprio desfecho representa a vitória da floresta sobre o homem, que por mais que se esforce não a conhece por inteiro. A natureza, como nas últimas catástrofes (tsunamis, terremotos, enchentes), liquida quem que dela se apropria. O homem é seu ambicioso algoz.
 
É um filme instigante, mesmo com suas fragilidades narrativas nas duas primeiras partes, pois personagens e situações não se fundem. Porém, a última parte é de uma força, beleza e intensidade que faz o espectador esquecer as deficiências do roteiro. É mais uma contribuição do multicinema que se faz hoje no Brasil, com suas variedades regionais, olhares diferenciados, trazendo para a tela não personagens calcados em identidades européias ou hollywoodianas, sim falares e faces miscigenadas que compõem o Brasil. É o que importa.
 
A Floresta de Jonathas”. Drama. Brasil. 2012. 99 minutos. Montagem: Fábio Baldo. Fotografia: Yure César. Roteiro/direção: Sérgio Andrade. Elenco: Alex Lima, Begê Muniz, Viktoryia Vinyanska, Francisco Mendes, Chico Diaz.
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