“Lobo do Deserto”, árduo aprendizado

Cineasta jordaniano Naji Abu Nowar usa o deserto para matizar jornada de adolescente durante os conflitos entre os impérios otomano e britânico.

O que importa neste “Lobo do Deserto”, filme de estreia do jordaniano Naji Abu Nowar, não é a história em si, porquanto a dependência de um ser humano do outro em situações limite (Inferno no Pacífico, John Boorman, 1968) ou a jornada de amadurecimento de adolescente devido à perda do ente querido não são novidade (Paisagem na Neblina, Theo Angelopoulos, 1988). Mas sim a forma como ele estrutura a epopeia do garoto Theeb (Jacir Eid Al-Hwietat) no deserto de Hejaz na Jordânia de 1916.

Neste drama os personagens estão presos às armadilhas criadas pelo tórrido e inóspito deserto que, cercado por altas e labirínticas montanhas, ecoa os estampidos dos fuzis nos combates entre as forças dos Impérios Otomano (1299/1923) e Britânico (1583/1997), em plena 1ª Guerra Mundial (1914/1918). Com estes recursos cênicos e técnicos, ele cria uma trama com poucos personagens e reduzido espaço de ação.

Com uma simples história, Nowar constrói a jornada de Theeb, lobo em árabe, iniciada quando este segue o irmão Hussein (Hussein Salameh Al-Sweilheijeen) pelo deserto de Hejaz. Com eles vão o guerrilheiro árabe Marji (Marji Audeh) e o oficial britânico Max (Jack Fox) rumo à base militar inglesa na Palestina, para escapar ao fogo dos inimigos otomanos. Indiretamente, guiam as forças árabes aliadas aos ingleses no combate às forças turcas comandadas pelo general Kemal Atartük (1867/1932).

Theeb se torna fera ameaçadora

Contudo, Nowar e seu corroteirista Bassel Chandour não aprofundam as dubiedades e interesses em jogo. No centro delas estão as lutas pelo status da Jordânia como área liberada, ocorrida em 1922, e por sua independência, conquistada em 1946. Deste dúbio jogo se valiam os saqueadores de viajantes, caravanas e forças otomanas e britânicas, para se apoderar de armas, equipamentos e dinheiro. É sob este fogo cruzado que Theeb busca sobreviver à perda de Hussein e às agruras do deserto.

Nowar utiliza aqui o estreito espaço entre as montanhas que o aprisionam e a vastidão do deserto que o amedronta. Sobrevêm daí o crescente horror, agudizado pelas ameaças do Saqueador (Hassan Mutlag), com quem passa a dividir a área. E o jovem Jacir Eid faz seu personagem se tornar brutal, inclemente, com poucos gestos e alterações faciais. Numa energizada troca com Mutlag, ator de forte presença física, o que reforça o contraste entre eles. O indefeso garoto versus o experiente saqueador.

Nowar pega estas características e as transforma em ferramenta dramatúrgica, levando-os a trocas inimagináveis. Usa a comida e o poço d´agua, elementos concretos, a falar mais alto numa situação de fome e sede. Faz isto sem maneirismo, truques, espertezas, que trairiam a racionalidade da trama. Não só o deserto amedronta, também Theeb o utiliza para evitar que o Saqueador o controle e este entende sua intenção.

Nowar usa transição sem indicar mudança

À esta altura, Nowar evita que o espectador torça pelo garoto, pois equilíbrio entre ele e o Saqueador engendram a racionalidade. Um descobriu que precisa do outro para sobreviver. E, enfim, surgem em plena planície desértica cavalgando juntos o camelo. Isto não simboliza a liberdade de Theeb, mas o princípio de sua inesperada mutação. Deste modo Nowar muda o rumo da trama, usando uma transição que, em princípio, parece selar a amizade deles.

Justo na terceira parte, quando as subtramas e os fios se fecham, pois, “Lobo do Deserto” é um filme que deixa pontas soltas ao longo da narrativa: I – do oficial britânico Max; II – do saqueador; III – dos turcos do Império Otomano. Cabe ao espectador entender o que os três planos sequência finais significam. Principalmente porque o oficial-comandante trata o Saqueador e o próprio Theeb, como parceiros e, na verdade, não são.

Nowar mostra o controle absoluto da narrativa. Principalmente nas sequências em que o jovem ator Jacir Eid contracena com o maduro Hassan Mutlag, evitando que este se sobreponha, em razão do tamanho, dos trajes escuros e dos traços rudes. Filma este em câmera baixa e Jacir, ameaçador, em câmera alta. Ambos em planos aproximados. Um enquadramento diferente inverteria as posições, sem o mesmo efeito.

Visão do deserto é de puro horror

Conta muito nesta particularidade a construção dos planos e os enquadramentos de Nowar. E notadamente a fotografia a cores de Wolfgang Thaler, em cinemascope, dando sentido a imposição do estreito espaço de deserto entre montanhas ou sua vastidão, mostrando o quanto Theeb e o saqueador eram dele reféns. Em Lawrence da Arábia (David Lean, 1962), a fotografia de Freddie Young ressaltava-o como grandioso cenário, aqui ele é, sem dúvida, um dos principais personagens. Sua força em certos momentos é de puro horror, não de êxtase e beleza.


“Lobo do Deserto”. Drama. Emirados Árabes/Qatar, Jordânia, Reino Unido. 2014. 100 minutos. Trilha sonora: Jerry Lane. Montagem: Rupert Lloyd. Fotografia: Wolfgang Thaler. Roteiro: Bassel Ghandour/Naji Abu Nowar. Direção: Naji Abu Nowar. Elenco: Jacir Eid Al-Hwietat, Hussein Salameh Al-Sweilheijeen, Hassan Mutlag, Marji Audeh.

(*) Festival de Veneza 2014: Prêmio de Melhor Direção.

Oscar 2016: Candidato a Melhor Filme Estrangeiro.

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