Eleições na Argentina: As razões econômicas e o renovar da esperança
A Argentina celebrou no dia 27 de outubro a derrota do governo neoliberal de Mauricio Macri. A situação econômica do país é grave. Em 2018, o PIB registrou queda de 2,48 % e a expectativa para 2019 é de mais uma queda de 3 %, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Por Marcelo Fernandes*
Publicado 21/11/2019 18:52

A inflação acumulada até agosto está em 30%, enquanto o desemprego atinge 10% da população. Some-se a isso a moratória parcial da dívida anunciada no fim de agosto. Em razão da recessão o déficit em transações correntes que em 2018 chegou a 5,3% do PIB deve ficar em 1,2% do PIB este ano. Portanto, uma ligeira melhora no setor externo.
De fato, não são poucos os desafios para o novo governo que toma posse em 10 de dezembro. Mas o país passou por uma situação mais grave no começo dos anos 2000. O fracasso do neoliberalismo da era Menem foi marcado pelo fim do regime cambial que fixava o peso no dólar, a queda de três presidentes em uma semana, com um deles (De la Rua) fugindo de helicóptero. Com uma taxa de desemprego em torno de 25%, o país entrou em moratória, e o FMI que bancava as políticas neoliberais virou as costas. Hans Tietmeyer, um encarregado do FMI para avaliar as condições econômicas da Argentina após o colapso do currency board, afirmou à época que o país estaria condenado à insignificância, provavelmente para sempre.
Mas a vitória de Nestor Kirchner em 2003 reviveu a Argentina. Ao assumir o governo, com o objetivo de renegociar a dívida externa, iniciou uma disputa dura com o FMI e os credores. No fim o país alcançou uma renegociação que significou uma diminuição da dívida pública de US$ 191 bilhões para US$ 125 bilhões. Mesmo sem acesso ao mercado financeiro internacional, a conjuntura econômica (aumento no preço das commodities) e a política econômica implementada fizeram com que o país entrasse numa fase de crescimento acelerado que seria interrompido no segundo mandato da Cristina Kirchner (2011-2015).
Assim, Macri venceu a disputa de 2015 com a promessa de trazer de volta a confiança dos mercados por meio de políticas de austeridade e desregulamentação da economia. Políticas que os argentinos deveriam conhecer bem, uma vez que foram aplicadas não somente durante os anos 1990, mas também no período da ditadura militar (1976-1983).
A equipe econômica de Macri começou desmontando o aparato regulatório do governo anterior, liberalizando o comércio externo, o mercado de câmbio e o financeiro. O governo ainda se acertou com os “fundos abutres”, revogando a “ley cerrojo”, que proibia o país de abrir negociação com os credores que não aderiram à proposta de renegociação da dívida apresentada pelo governo Nestor Kirchner. Tudo em nome da volta da confiança que iria redimir a Argentina perante o mercado financeiro. A liberalização econômica permitiu o retorno do país ao mercado internacional de títulos soberanos e foi saudada com entusiasmo por investidores internacionais e pelo FMI.
Porém, acesso ao financiamento externo por si só não garante crescimento econômico, muito menos melhora na distribuição de renda e redução da pobreza, temas que não fazem sentido para o pensamento neoliberal. A alta na taxa de juros iniciada em 2016 garantia uma alta rentabilidade ao investidor estrangeiro que passou a especular principalmente com títulos do Banco Central (BCRA). Com isso, a Argentina entrou numa nova fase de endividamento.
Nos dois primeiros anos do governo Macri a dívida externa argentina teve um crescimento de pouco mais de US$ 39 bilhões, a preços constantes. O equivalente a 60% do estoque de dívida que o país possuía em 2015, sendo que US$ 30,1 Bilhões em dívida pública. Um endividamento avassalador, num curto espaço de tempo. Na realidade, o maior da história argentina, superando o período da Guerra das Malvinas (US$ 21 Bilhões). Isso tudo para obter um recuo do PIB de – 2% em 2016 e um crescimento pífio de 2,7% no ano seguinte. Desempenho deprimente para aquele que era o grande depositário das esperanças dos ricaços latino-americanos.
Como dissemos, a situação da Argentina é grave, mas não é desesperadora. E ajudará muito o novo governo saber pelo menos que caminho não tomar para que a economia se recupere. Que se renovem as esperanças.
* Doutor em economia, Professor do Departamento de Economia da UFRRJ