A democracia e a violência no campo
O assassinato de Afonso João Silva, presidente do PCdoB de Jaciara, no estado do Mato Grosso, ocorrido no sábado (15), […]
Publicado 18/02/2020 11:59 | Editado 18/02/2020 12:04
O assassinato de Afonso João Silva, presidente do PCdoB de Jaciara, no estado do Mato Grosso, ocorrido no sábado (15), é mais um episódio de violência social, propagada pela ideologia do governo Bolsonaro. O caso precisa ser apurado rigorosamente dentro dos parâmetros do Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo que serve de alerta para as consequências da banalização de atitudes bestiais pelo bolsonarismo.
As investigações (que o estado de Mato Grosso tem o dever de realizar de modo célere e eficaz) podem elucidar quem são os criminosos e mandantes, se partiu da pistolagem típica do latifúndio ou de outros tipos de bandos criminosos. O certo é que os culpados por esse crime bárbaro precisam ser presos, julgados e punidos.
A violência no campo é uma história escrita a muito sangue no país. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) informam que entre 1985 e 2017 ocorreram 50 massacres que vitimaram 247 pessoas em dez estados brasileiros. No primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, ainda segundo a CPT, ocorreram 29 assassinatos em conflitos no campo.
Há um Brasil pré-Independência, pré-Abolição e pré-República que tenta conviver com o Brasil do século XXI. O país se modernizou institucionalmente, galgou uma posição democrática elevada com a Constituição de 1988, mas ainda não superou a estrutura social legada por 388 anos de escravismo.
A posse da terra é o exemplo mais visível dessa contradição. A modernização tecnológica que possibilitou uma excelência na produção agrícola reconhecida mundialmente convive com a pauperização no campo em várias regiões do país. A democratização da posse da terra, que deveria ser uma política de Estado, sempre encontrou forte resistência porque ela atingiria o poder oligárquico legatário do escravismo.
Ao longo do ano de 2019 aumentou o número de ações de despejo de trabalhadores rurais sem terra e nenhuma família foi assentada, apesar de existirem 66 projetos de assentamento para reforma agrária prontos para serem executados.
O assassinato de Afonso João Silva tem esse componente, com o agravante de que ocorre no contexto de um governo que se pauta pelo ódio e a violência. O que se atribui ao ex-presidente Washington Luís sobre a questão social, que seria caso de polícia, agora, no governo Bolsonaro, é tratado como caso de violência, de qualquer natureza.
Washington Luís teria dito isso quando os movimentos sociais eram incipientes, nos estertores da República Velha, suplantada pela Revolução de 1930, comandada por Getúlio Vargas. Ao resgatar essa ideia de ódio e violência contra o povo, o governo Bolsonaro cumpre o seu programa de governo de restabelecer uma ordem social muito próxima ao escravismo.
O presidente apregoa que a política para lidar com conflitos agrários é o uso indiscriminado de armas. Para tanto, sancionou a lei que ampliou o uso de milícias armadas pelos latifundiários contra os trabalhadores rurais que lutam pela reforma agrária.
A nomeação do ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan Garcia, como Secretário de Assuntos Fundiários de seu governo expressa bem a forma como o presidente trata a questão da terra. Para Garcia, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é uma “entidade criminosa”.
O conjunto de medidas para impedir a liberdade de organização e de manifestação popular afronta, além do ideal republicano da Revolução de 1930, a construção institucional democrática que vem da Constituinte de 1946, passa pela resistência que enterrou a ditadura militar e possibilitou um grande salto social nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
O bolsonarismo sabe que encontrará no povo e nos trabalhadores organizados e conscientes uma decidida oposição ao seu programa de governo. À medida em que as mazelas sociais se agravarem, uma tendência inevitável, a possibilidade de ampliação da resistência democrática e popular é muito grande. Os sinais de que Bolsonaro e seu espectro se preparam para enfrentar essa situação com autoritarismo são evidentes.
O assassinato de Afonso João Silva é um caso grave. Deve ser denunciado como exemplo de que o Brasil precisa reunir suas forças democráticas para conter esse programa de governo que propaga a ideologia do ódio e da violência como um dos meios para atingir o objetivo de destruir a institucionalidade de 1988 para entregar o país aos interesses dos que querem saqueá-lo e escravizar o povo.