Brasil busca transição energética em meio à crise climática e social

Para o professor aposentado da UFPE, Heitor Scalambrini Costa, país tem todas as condições de diversificar e transformar sua matriz energética e elétrica amplamente em todo território nacional

Cerimônia de lançamento do Complexo Renovável Neoenergia em Santa Luzia (PB). Foto: Ricardo Stuckert/PR

Ponto central para o enfrentamento das mudanças climáticas, a transição energética é um dos principais desafios mundiais na atualidade. Nesse cenário, e considerando suas características naturais, o Brasil tem papel estratégico tanto do ponto de vista da preservação ambiental quanto para o desenvolvimento de novas formas de geração de energia, um processo complexo dada sua magnitude e os interesses envolvidos, mas incontornável para o futuro do país. 

No final de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou  o Complexo Renovável Neoenergia, em Santa Luzia, interior da Paraíba. Segundo o governo, esse é o primeiro complexo associado de geração de energia renovável no Brasil que integra as energias eólica e solar fotovoltaica.

Na ocasião, o governo também anunciou investimentos da ordem de R$ 50 bilhões para realizar o que considera ser o maior programa de transição energética do país, que permitirá a construção de mais parques de energia eólica e solar no Nordeste.

Em comunicado público divulgado no dia 31, a Petrobras informa que o presidente Jean Paul Prates submeteu e validou junto à diretoria executiva da empresa propostas relativas ao seu planejamento estratégico que envolvem diretamente a questão da transição energética. 

Entre as propostas estão o “foco em ativos rentáveis de exploração e produção, com descarbonização crescente das operações da empresa e de seus fornecedores”; “ênfase na adequação e aprimoramento do parque atual de refino por meio do ganho de eficiência e conjugação de matérias-primas de matriz renovável no desenvolvimento de processos industriais resilientes e produtos sustentáveis”, além de“fortalecer o acesso a mercados e buscar a vanguarda global na transição energética através da atuação internacional por meio de parcerias tecnológicas e operacionais”. 

Ainda começo de março, outro movimento neste sentido aconteceu via Petrobras. Na ocasião, a estatal assinou carta de intenções com a empresa norueguesa Equinor que tem, como um de seus objetivos,  a avaliação da viabilidade técnico-econômica e ambiental de projetos de geração de energia eólica offshore (em alto mar) na costa brasileira.

Mudanças estruturais

Essas iniciativas vão ao encontro da busca pela redução do uso de energias fósseis, por exemplo, que respondem por 80% da energia primária mundial. “É necessário, com a urgência que o problema requer, banir os combustíveis fósseis. Todavia a discussão sobre a transição energética não deve se restringir meramente à simples troca de fontes energéticas: fonte não renovável por fonte renovável (sol, vento, biomassa, água, entre outras). Deve ser entendida como um conceito que vai além da geração de energia, que alcança mudanças no modo de produção e consumo da sociedade. Deve ser vista como uma grande oportunidade”, explica Heitor Scalambrini Costa, doutor em Energética e professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 

Ele esclarece que o fato de uma fonte ser renovável não significa necessariamente que ela seja energia “verde”, “limpa” ou “sustentável”. O professor argumenta que “não existe processo de transformação, de conversão e uso de energia que seja isento de produzir poluição, danos socioambientais, contaminação do ar, da terra e da água, entre outros malefícios”. 

Costa alerta para o fato de que o grau de danos de âmbito social, ambiental, cultural, ou econômico provocados pelas fontes renováveis “depende das boas práticas socioambientais empregadas pelos empreendedores, da área abrangida pelo projeto, e da participação efetiva de órgãos públicos na exigência do licenciamento ambiental, na fiscalização e acompanhamento”. 

Neste sentido, embora considere haver ainda o que classifica como inconsistências na forma como a questão tem sido abordada em nível governamental, o professor avalia que “o Brasil possui uma exuberante e rica biodiversidade, e tem todas as condições de diversificar e transformar sua matriz energética e elétrica, amplamente em todo território nacional. Com a extensão continental do território nacional verifica-se fontes de energia renováveis locais que deveriam ser utilizadas tanto no uso gasoso, líquido e sólido que vários processos exigem”. 

Ao mesmo tempo, ele defende ser uma exigência “que se discuta os impactos socioambientais da produção de grandes blocos de energia, em larga escala de fontes renováveis de energia, que utilizam grandes superfícies, implicando que além de atingirem as pessoas que vivem nos locais de instalação, atingem os ecossistemas e, em última análise, o planeta, de modo geral. O problema reside na escala de produção de energia”. 

Para ele, “as vantagens de uma transição energética só seriam visíveis positivamente para a grande maioria da população se ela for democrática, sustentável, justa e popular. Só assim terá credibilidade e aceite social”.