A democracia socialista da China
A democracia socialista critica e transcende a democracia burguesa porque é centrada no povo, nas pessoas e não no capital
Publicado 07/05/2025 17:52 | Editado 07/05/2025 17:56

A plataforma de publicação de pesquisas e artigos New China Research (1) divulgou, em dezembro de 2021, importante documento intitulado “Busca de Valores Comuns da Humanidade – Abordagem da China em relação à democracia, à liberdade e aos direitos humanos” (2).
O texto define a democracia socialista com características chinesas como uma “democracia substantiva” na qual o povo é o senhor do país. Trata-se de uma democracia que abrange todos os aspectos da formação social.
E ressalta que a democracia socialista critica e transcende a democracia burguesa porque é centrada no povo, nas pessoas, e não uma democracia orientada para o capital.
Ao estabelecer a diferença entre a democracia socialista e a capitalista, o texto traz à tona uma questão-chave para a análise dos sistemas políticos. Para compreender a verdadeira essência de um sistema, é necessário analisar seu modelo de sociedade em suas diferentes dimensões: política, econômica, social e ambiental.
O texto acrescenta que a democracia socialista transcende a “democracia para poucos”, a “democracia de uma só vez” e a “democracia pseudo-universal”, garantindo que as amplas massas do povo gozem de direitos e conquistas democráticas e que o conceito de democracia esteja profundamente enraizado na mente das pessoas.
E destaca que a democracia é um processo de desenvolvimento e evolução contínuos, progredindo constantemente do básico ao avançado, da tradição ao moderno, e que a construção da democracia é um trabalho em andamento.
A democracia efetiva combina democracia formal e democracia substantiva, indireta e direta e avalia objetivamente o sistema político com base em resultados reais.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade York, do Canadá, 98% do público chinês está satisfeito com o governo central; e em relação aos governos locais, a satisfação ultrapassa 90%.
A democracia socialista com características chinesas está profundamente ligada à sociedade chinesa e não é copiada de países estrangeiros. Segundo o estudo, a cópia de sistemas políticos de outros países pode arruinar o futuro de uma nação.
A questão de o modelo de desenvolvimento de cada país estar vinculado às suas características políticas, econômicas e sociais traz uma importante lição: cada povo deve formular seu projeto nacional de desenvolvimento baseado nas características nacionais, não aceitando as tentativas de impor determinados modelos de desenvolvimento distantes de suas realidades e necessidades.
Neoliberalismo x modelo nacional de desenvolvimento
Após o final da Segunda Guerra Mundial, com o papel exercido pelas forças progressistas, entre as quais os comunistas, ganhou força na Europa a social-democracia quando, nos marcos do capitalismo, as classes dominantes fizeram concessões econômicas e sociais aos trabalhadores. Todavia, com o avanço do neoliberalismo no mundo, tais forças passaram a pressionar pela quebra de direitos e a substituição do modelo social-democrata pelo neoliberal, com a garantia da liberdade completa do capital e restrição dos direitos econômicos e sociais.
No Brasil, a Constituição de 1988 incorporou importantes princípios da social-democracia e hoje, tanto a democracia como a Constituição estão sendo atacadas pelas forças que defendem o mercado. Esse assunto é analisado no livro intitulado “Porque a Democracia e a Constituição estão sendo Atacadas?” (3).
Em decorrência disso, há no país uma disputa entre a imposição de um modelo dependente, baseado nas concepções neoliberais, e um modelo nacional de desenvolvimento que fortaleça a economia do país, com distribuição de renda, melhoria das condições do povo, defesa do meio ambiente, da democracia e da soberania nacional. E a grande mídia, associada com a extrema direita, se une no combate à política econômica e social do governo Lula.
Gestão do país pelo povo
O estudo mostra que a China alcançou resultados notáveis na implementação da “gestão do país pelo povo” e que esses resultados podem ser atribuídos a três características principais: ter um partido avançado, uma filosofia centrada no povo e uma visão de mundo focada no desenvolvimento.
Além disso, destaca o papel do Partido Comunista Chinês, que defendeu a democracia e liderou o povo na criação da República Popular da China, em 1949, marcando a grande transformação do país de uma autocracia feudal milenar para uma democracia popular. Nos últimos oito anos, o partido liderou o povo na vitória contra a pobreza: quase 100 milhões de pessoas que viviam em áreas rurais foram retiradas da pobreza absoluta. Para realizar esta tarefa, a China enviou 255 mil equipes de trabalho e mais de três milhões de primeiros-secretários do partido e funcionários às aldeias.
A China expandiu sua democracia por meio de reformas políticas e econômicas, entre outras, estimulando o entusiasmo, a iniciativa e a criatividade de centenas de milhões de pessoas. Desenvolveu as forças produtivas e incentivou a população a participar de reformas e do desenvolvimento social.
Esses fatores se tornaram importantes aceleradores que explicam a velocidade da modernização da China desde sua reforma e abertura. O estudo também deixa clara a importância do Partido Comunista Chinês na radical transformação da sociedade. Afinal, não é possível uma transformação dessa natureza sem uma força dirigente, sem um partido capaz de liderar amplos seguimentos da sociedade, tocando na razão e no sentimento das pessoas.
Congresso Nacional Popular (CNP)
Outro fator decisivo na construção da Democracia Socialista com características chinesas é o papel exercido pelo Congresso Nacional Popular (CNP). Ele foi convocado após a vitória da Revolução Chinesa, tendo aprovado a primeira Constituição do país que estabeleceu um sistema de congressos populares como sistema político fundamental.
A Constituição chinesa estipula que todo o poder no país pertence ao povo. O povo não só tem o direito de votar, como também o direito de participar amplamente da governança, de acordo com a lei. Os congressos populares da China são muito diferentes dos parlamentos dos países capitalistas.
Os deputados ao Congresso Nacional Popular, sejam eles membros do PCCh, de outros partidos políticos ou personalidades sem filiação partidária, todos assumem as expectativas do povo e desempenham seus deveres para com o povo, de acordo com a lei.
Após a divulgação do texto inicial da primeira Constituição, em junho de 1954, cerca de um quarto da população do país, ou seja 150 milhões de pessoas, participaram da discussão e apresentaram mais de 1,18 milhão de opiniões. A versão atual da Constituição da China, de 2018, faz 14 referências à “democracia”, 13 à “liberdade” e 31 aos “direitos humanos” e “direitos”.
Em relação à democracia, a Constituição destaca a Nova Revolução Democrática, a democracia socialista, a ditadura democrática popular, o centralismo democrático e a gestão democrática, entre outros. Quanto à liberdade, o artigo 4º da Constituição estabelece que todos os grupos étnicos têm a liberdade de usar e desenvolver suas próprias línguas, faladas e escritas, e de preservar ou reformar suas próprias tradições e costumes.
De acordo com o Capítulo 2, em que a Constituição estipula os direitos e obrigações fundamentais dos cidadãos, todos os cidadãos gozam de vários tipos de liberdade, incluindo liberdade de expressão, imprensa, reunião, associação, desfile e manifestação: liberdade de crença religiosa, pessoal, de correspondência, de participar de atividades culturais e de casamento.
Em relação aos direitos humanos, o artigo 33 da Constituição estabelece que o Estado deve respeitar e proteger os direitos humanos. Um total de nove artigos referem-se à proteção dos direitos civis, como o direito à propriedade, ao trabalho e ao descanso; o direito à educação e os direitos das mulheres, de todos os grupos étnicos, de estrangeiros no território da China e de cidadãos chineses no exterior.
Democracia socialista
A consulta à população faz parte da democracia socialista na China. Entre março de 2018 a abril de 2021, 730 propostas foram apresentadas à sociedade, seja pelo Partido Comunista Chinês ou pelo Conselho de Estado, tendo recebido 23.048 novas propostas. Em 2019, o legislativo federal solicitou opiniões da sociedade sobre 230 projetos de lei. Foram recebidos 425.762 comentários à proposta de Código Civil.
E o texto comenta que, ao contrário da chamada “ditadura de partido único”, mal interpretada pelo mundo exterior, o novo sistema partidário da China pode ser percebido como uma prática democrática e que, além do PCCh, existem oito partidos políticos.
Apesar de serem pequenos em número, esses partidos são compostos por pessoas influentes, sendo a maioria intelectual. Sua participação em assuntos políticos tem proporcionado uma contribuição indispensável de conhecimento para o processo de tomada de decisões do partido governante.
Sobre a participação popular nas decisões do parlamento o estudo destaca que Shen Jilan, mulher de origem humilde da província rural de Shanxi, na época com 25 anos, foi escolhida como deputada e participou da Assembleia Nacional em setembro de 1954.
Por meio de sua iniciativa, as mulheres em cooperativas rurais conquistaram o direito à igualdade de remuneração por trabalho igual. A primeira Constituição da República Popular da China, aprovada por Shen, estipulou: “As mulheres na República Popular da China gozam de direitos iguais aos dos homens em todas as esferas da vida: política, econômica, cultural, social e familiar”.
Chai Shanshan, entregador, foi eleito deputado da Assembleia Popular Nacional em 2018. Na quarta sessão da 13ª Assembleia, realizada em 2021, ele elaborou propostas, incluindo uma sobre a melhoria da previdência social para trabalhadores com empregos flexíveis em setores como transporte por aplicativo, serviços de entrega e entrega de alimentos, o que motivou diretamente a legislação nesse sentido.
Em outubro de 2021, 22 escritórios de extensão em todo o país apresentaram mais de 7.800 pareceres e sugestões para 126 projetos de lei e planos legislativos anuais, dos quais mais de 2.200 foram absorvidos e adotados em graus variados, criando um processo legislativo mais refinado. Um dos pareceres foi de Li Junhao, um estudante do ensino médio de Xangai.
Em agosto de 2020, autoridades visitaram a escola, afiliada à Universidade de Ciência Política e Direito da China Oriental, para solicitar opiniões sobre o projeto revisado da Lei de Proteção de Menores. Li, então, apresentou uma sugestão: “As condições econômicas da família de cada menor são diferentes. Se o tutor que cometeu violência doméstica contra o menor se recusar a aceitar orientação educacional familiar, o tutor deverá ser punido com o confisco do depósito de segurança. Isso piorará a situação das famílias”.
Sua sugestão foi adotada pelo Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo. A lei recém-revisada foi aprovada, removendo do projeto a exigência de que os tutores de menores paguem um depósito de segurança.
Em 1978, na vila de Xiaogang, condado de Fengyang, na província de Anhui, Leste da China, 18 moradores assinaram um contrato com suas impressões digitais vermelhas, dividindo as terras coletivas da vila em famílias individuais. Essa iniciativa se espalhou gradualmente por todo o país e despertou o entusiasmo de centenas de milhões de agricultores, inaugurando assim um novo capítulo das reformas rurais da China.
Na análise da composição do parlamento, no socialismo chinês, fica clara a participação das camadas populares, que defendem seus interesses e influenciam nas decisões do parlamento.
No parlamento dos países capitalistas, a influência do dinheiro no processo eleitoral termina por compor um parlamento resistente às mudanças em favor das camadas mais pobres da população. Com isso, gera um distanciamento em relação à maioria da sociedade, causando uma crise de representação das democracias capitalistas.
Planejamento
Outro aspecto importante no modelo chinês de desenvolvimento é o papel do planejamento. Desde a fundação da República Popular da China, o país elaborou e implementou 14 planos quinquenais. “O partido apresenta sugestões, o governo elabora planos, a Assembleia Popular Nacional delibera e aprova os planos, e todo o país os implementa, criando uma experiência geral positiva de governança estatal criada pelo PCCh”. O planejamento permite que o desenvolvimento do país se faça em função dos interesses nacionais.
Na China, o capital privado e mesmo o capital estrangeiro são permitidos. Todavia, a localização dos empreendimentos é determinado pelo plano de desenvolvimento do país. Assim, determinada empresa será localizada em uma região do país menos desenvolvida. E os setores estratégicos da economia estão nas mãos do Estado.
Outra iniciativa importante foi o lançamento de campanhas. O estudo destaca duas: a campanha contra a pobreza e a contra a corrupção. Desde 2016, os comitês centrais dos partidos políticos não pertencentes ao PCCh lançaram uma iniciativa de “supervisão democrática do alívio da pobreza” em oito regiões provinciais do Centro e Oeste, com populações grandes e alta incidência de pobreza.
Em 2012, o PCCh lançou uma campanha anticorrupção atacando “tigres” (infratores de alto escalão), “matando moscas” (funcionários corruptos de baixo escalão) e caçando “raposas” (fugitivos corruptos).
Resultados
Os resultados da democracia socialista com características chinesas podem ser constatados através de resultados. Desde a reforma e abertura iniciadas em 1978, 770 milhões de chineses foram retirados da linha de pobreza. Entre 2012 e 2020, a China retirou mais de 98 milhões da extrema pobreza. Em 1956, a renda per capta era de 98 yuans e o gasto médio, per capta, de 88 yuans. Em 2018 a renda per capta passou para 28.228 yuans e o gasto per capta para 19.853 yuans. Em 2020 existiam 751 milhões de chineses com emprego. Conforme o Banco Mundial, a China contribui com 70% para a redução da pobreza no mundo.
Em relação aos transportes, no final de 2019, 12 bilhões de viagens foram realizadas em trens de alta velocidade. E o transporte ferroviário aumentou de 4,5% em 2007 para 65,4%. No final de 2019, havia um total de 139 mil km de ferrovias, sendo 35 mil km de alta velocidade.
A expectativa de vida cresceu de 35 anos, em 1949, para 77,3 em 2019.
Em relação à educação houve um crescimento de matrículas no ensino secundário de 42% em 2000 para 91,2% em 2020. Quanto ao ensino superior, entre 2000 e 2020, houve um crescimento de matrículas de 12,5% para 55,4%.
No que diz respeito à moradia, no início da abertura, as residências urbanas, calculadas per capta, tinham 6,7 metros quadrados e as rurais 8,1. Em 2019 cresceu nas cidades para 39,8 metros quadrados, per capta, e no campo para 48,9.
Em 2020, o seguro de saúde era garantido a 1,9 bilhões de pessoas. E toda população pobre tem garantia do seguro médico, seguro contra doenças graves e assistência médica.
“Democracia capitalista”
Em crítica à democracia capitalista, o estudo afirma que “impor a própria visão de democracia, liberdade e direitos humanos a outros é uma violação do verdadeiro espírito da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. O desenvolvimento da atual situação internacional comprovou a visão da China de que a intervenção militar externa e a chamada ‘transformação democrática’ só causam danos sem fim”.
E continuou destacando: “O mundo de hoje testemunha a deterioração da democracia e uma perspectiva distorcida de liberdade e dos direitos humanos. A governança em alguns países é bastante preocupante”.
Aponta, ainda, que “a pobreza da democracia” é um fato indiscutível, que se caracteriza por diversas crises, como polarização política e entre ricos e pobres; o fracasso da governança e a intimidação por parte de outros países. Manifesta-se, também, pelo fato de que a teoria da “democracia liberal” não consegue explicar a realidade, muito menos resolver problemas”.
Os atos daqueles que acreditam que sua civilização é superior e insistem em transformar ou substituir outras civilizações por um determinado modelo são simplesmente absurdos e arbitrários e resultarão em catástrofe. Há lições suficientes a serem aprendidas.
Defesa da diversidade
A diversidade da civilização humana torna o mundo melhor. A diversidade traz comunicação, a comunicação gera integração e a integração produz progresso. A diversidade não só faz sentido, como também é desejável.
Em conclusão, o texto afirma: “Os valores comuns da humanidade de paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade são a base para a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade. Como diz o ditado ‘todos os caminhos levam a Roma’; para atingir esse objetivo, é necessário que todos os países explorem constantemente o melhor caminho, que seja mais adequado aos interesses de seus povos, de acordo com suas próprias condições nacionais”.
A análise da experiência chinesa deve ser objeto de estudos de todos aqueles que querem construir uma sociedade mais justa e democrática. Não para copiar seu modelo, mas sim para aprender com sua experiência e construir um Projeto Nacional de Desenvolvimento com as caraterísticas políticas, econômicas, sociais, ambientais, a cultura e a alma de seu povo.
NOTAS:
1) O New China Research é composto por sete centros de pesquisa: National Realities and Strategies Research Center, Global Issues Research Center, Public Policy Research Center, Communication Strategies Research Center, Economic Research Center, Public Opinions Research Center e Social Governance Research Center.
2) PURSUING COMMON VALUES OF HUMANITY – China’s Approach to democracy, freedom and human rights – https://www.gov.cn
3) ARANTES, Aldo. Porque a Democracia e a Constituição estão sendo Atacadas?/ Aldo Arantes (autor e organizador): Lenio Sreck… (et all) (autores) . Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019.