Brasil tem queda no número de homicídios, mas índice segue alto

Entre 2022 e 2023, país atingiu menor taxa em 11 anos. Mas, números seguem altos, com mais de 45 mil assassinatos em 2023, a maioria, de negros

Foto: Tania Rego/Agência Brasil

Embora a violência seja uma das maiores chagas do Brasil, uma boa notícia emergiu nos últimos anos: entre 2022 e 2023, o país registrou uma redução de 2,3% na taxa de homicídios, atingindo seu menor índice em 11 anos. Ainda assim, os números são bastante altos: foram 45.747 assassinatos em 2023, ou 21,2 a cada 100 mil habitantes. 

Os dados fazem parte da edição 2025 do Atlas da Violência, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em pareceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), e divulgado nesta segunda-feira (12). 

Entre os fatores apontados como possíveis razões para a redução dos homicídios estão a continuidade da transição demográfica rumo ao envelhecimento da população; o armistício na grande guerra do narcotráfico entre as duas maiores fações criminais do país; e o amadurecimento e aprimoramento das políticas de segurança pública em alguns estados e municípios.

“Por trás desses números, há uma verdadeira revolução invisível na segurança pública que não sai muito nas manchetes dos jornais porque são políticas empreendidas, sobretudo, pelas unidades federativas e que não são baseadas na bomba, no tiro, nas operações espetaculosas, mas sim em diagnóstico de qual é o problema, no planejamento prévio, na prevenção baseada em inteligência policial e na prevenção social”, explica o coordenador do Atlas, Daniel Cerqueira. 

A partir dessas políticas, completou, “11 estados conseguiram reduzir sistematicamente os homicídios nos últimos anos, então, isso é uma notícia importante”. 

De acordo com o Atlas, cinco estados diminuíram os indicadores de homicídios a partir de 2016: Pará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe. Já quando o recorte se dá entre 2013 e 2023, seis tiveram queda: Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraíba e São Paulo.

Tal processo diz respeito ao conjunto de medidas tomadas em âmbito local com o objetivo de melhorar a efetividade da segurança pública “através de estratégias com base na boa gestão por resultados, qualificação do trabalho policial orientado pela inteligência e programas multissetoriais de prevenção da violência”. 

Em sentido contrário, salienta o Atlas, “o aumento da difusão de armas de fogo após 2019 tem colocado um freio nessa maré de redução de mortes”. Apenas entre 2019 e 2021, caso não tivesse sido sancionada a legislação armamentista de Jair Bolsonaro, os FBSP estima que, em média, 6.379 vidas teriam sido poupadas.

Outros fatores de redução 

Além dessa “revolução invisível” e do envelhecimento da população, o Atlas aponta outros elementos que podem continuar contribuindo para a redução desses índices ao longo do tempo. 

No campo macropolítico, ressalta decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas foi a que reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário. 

Tal posicionamento deu origem ao lançamento do plano Pena Justa, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela União, com o apoio de diversas entidades e da sociedade civil, com objetivo de  “garantir a dignidade das pessoas presas, fortalecer o sistema prisional e combater o crime organizado dentro dos presídios, promovendo a reinserção social das pessoas egressas e contribuindo para a segurança pública”. 

Outra decisão de peso neste sentido foi o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas, cujo foco é conter a letalidade policial nas comunidades do Rio de Janeiro. A decisão final sobre o assunto foi tomada em abril deste ano, pelo STF, com avanços e retrocessos, segundo o Atlas. 

No entanto, diz a publicação,“a despeito das críticas feitas por policiais e por setores conservadores, que acusam a ADPF de imobilizar as polícias cariocas, ao contrário, como demonstrou o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) em 2024, no período após a implementação da ADPF, não apenas houve reversão da trajetória, com queda significativa de mortes por intervenção policial, que foram reduzidas de 1.814 registros em 2019 para 699 em 2024, como houve simultaneamente uma redução de homicídios dolosos, roubos de veículos, roubo de carga e roubo de rua”. 

Também são apontados como aspectos importantes para a continuidade na queda do número de assassinatos a maior participação dos municípios na segurança pública, bem como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da segurança pública, encaminhada pelo governo federal ao Congresso em abril deste ano. 

Homicídios ocultos

Por outro lado, há um conjunto de óbitos que ficam ocultos nas estatísticas finais: as Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI), casos em que o registro não deixa claro se o óbito é decorrente de acidente, suicídio ou homicídio.

Entre 2013 e 2023, foram identificados 51.608 homicídios ocultos no Brasil, uma média anual de 4.692 homicídios que deixaram de ser contabilizados. Conforme observam os pesquisadores, nesses 11 anos, ao invés de ter ocorrido 598.399 homicídios, houve, na realidade, 650.007. 

A publicação destaca que “a incapacidade do Estado em identificar a causa básica do óbito aumentou consideravelmente a partir de 2018. O fenômeno não é aleatório e está concentrado em algumas UFs. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia concentram 66,4% das MVCI”.

Diante dos dados de anos anteriores, alguns estados resolveram aprimorar seus mecanismos de registro. Um caso destacado pelo Atlas é o Espírito Santo, cujas iniciativas resultaram numa queda de 205 MVCI em 2022 para sete em 2023.

Pessoas negras

A população negra segue sendo — por razões históricas, sociais e estruturais — a maior vitimada pela violência letal no Brasil. O estudo assinala que em 2023, uma pessoa negra tinha 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra – aumento de 15,6% em relação a 2013.

Ao todo, foram verificados 35.213 homicídios de pessoas negras – pretas e pardas – no Brasil em 2023, pequena variação de -0,9% nos números absolutos em relação a 2022. 

Quando avaliada em relação a 100 mil habitantes, a taxa de homicídios de pessoas negras em 2023 foi de 28,9, com variação de -2,7% comparado com 2022 e -21,5% com 2013. Enquanto isso, a taxa de homicídios de pessoas não negras por 100 mil habitantes foi de 10,6 em 2023, variando -1,9% com relação a 2022 e -32,1% com relação a 2013. 

O Atlas salienta que “nesse sentido, cabe afirmar que há um contexto de redução no número de homicídios de pessoas negras a nível nacional. No entanto, ao acrescentar à análise os homicídios de pessoas não negras – brancas, amarelas e indígenas –, pode-se observar que tanto o volume de homicídios de pessoas não negras é inferior, quanto sua redução ao longo do período é superior. Isso evidencia um contexto de desigualdade racial na violência letal”. 

Uma das piores taxas foi verificada no Amapá, onde houve 508 homicídios de pessoas negras e seis de pessoas não negras em 2023; as respectivas taxas foram de 70,2 e 3,4 homicídios por 100 mil habitantes.

De acordo com a publicação, esse cenário está relacionado às dinâmicas envolvendo o crime organizado. “A disputa por controle territorial entre facções locais e o aumento nas mortes decorrentes de intervenção policial tem acirrado os conflitos letais na região”, aponta. 

Por fim, o Atlas pondera que “as discrepâncias observadas nas taxas e no risco relativo de vitimização letal evidenciam que a população negra permanece submetida a um cenário de violência desproporcional. Os dados demonstram a permanência de uma estrutura racializada da violência, que se expressa de maneira diferenciada nos territórios e resiste mesmo em contextos de avanços legislativos e institucionais no campo das políticas públicas”.