Jabbour: Condução do PCCh diferencia socialismo chinês de capitalismo de estado

Economista defende que o socialismo contemporâneo se estrutura a partir da hegemonia política dos Partidos Comunistas e da propriedade pública dos meios de produção

O estudioso do socialismo Elias Jabbour explica a diferença estrutural do socialismo chinês de experiências de capitalismo de estado como da Coreia do Sul e Japão.

O geógrafo Elias Jabbour, presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos e professor da UERJ, fez uma reflexão sobre o que significa o socialismo no século XXI e os desafios da esquerda brasileira. Para ele, o marxismo não é apenas uma teoria acadêmica, mas sim uma ciência em constante movimento, desenvolvida a partir do exercício real do poder político e das lutas nas periferias do sistema capitalista global.

A partir de uma leitura marxista-leninista, Jabbour afirma que o socialismo deve ser entendido como uma prática política concreta, orientada pelo exercício do poder por parte de blocos históricos hegemonizados por partidos comunistas.

“O marxismo-leninismo se distingue justamente por sua capacidade de adaptação às realidades nacionais, seja no poder estatal, como na China, seja nas lutas políticas da periferia do capitalismo”, afirmou durante uma live realizada pela Escola Nacional de Formação Política do PCdoB João Amazonas.

“Trata-se de uma ciência que se desenvolve não no laboratório acadêmico, mas no enfrentamento direto das contradições colocadas pelo exercício do poder político e pelas lutas populares, especialmente nos países da periferia do sistema”, afirmou. Para ele, experiências como a da China, de Cuba e do Vietnã demonstram que o socialismo não pode ser reduzido a fórmulas abstratas, como a simples abolição da propriedade privada, mas exige uma estratégia histórica que articule planejamento, soberania e transformação estrutural.

Um dos principais pontos de sua análise é a centralidade do Partido Comunista na condução do processo socialista. “O Partido Comunista chinês não se fundiu com o Estado. O Estado é um instrumento do Partido”, diz Jabbour. Ele também criticou visões que equiparam a China a “capitalismos de Estado” como o japonês ou coreano: “A diferença está no controle partidário sobre a economia e na introdução planejada de contradições que impulsionam o desenvolvimento, como a inovação tecnológica disruptiva”. Segundo ele, o que se observa no país asiático é uma nova forma histórica de desenvolvimento, que ele denomina Communist-Party-led Development — ou desenvolvimento liderado pelo Partido Comunista.

Esse modelo, afirma, introduz contradições no seio do sistema econômico por meio da inovação tecnológica e da planificação estratégica, criando um movimento dinâmico que impulsiona transformações. “O socialismo chinês tem uma capacidade inédita de mobilizar a sociedade para responder às contradições, algo que não se vê nas economias capitalistas”, avalia.

O socialismo como prática concreta: China, Cuba e Vietnã como exemplos vivos

De acordo com Jabbour, o socialismo contemporâneo se define por três elementos principais: o controle político exercido por um partido comunista, a propriedade pública dos meios de produção e a utilização estratégica da razão como instrumento de governo. Ele destacou a China como a experiência mais avançada dessa nova forma de organização socioeconômica.

“Na China, o Partido Comunista utiliza o Estado como ferramenta de transformação da realidade. Isso é diferente de países capitalistas onde o Estado pode ser dominado pelo capital privado”, afirmou, durante a conversa com o diretor da Escola, Altair Freitas.

Ele ressaltou ainda que a economia chinesa tem se baseado cada vez menos na lei do valor e nos mecanismos tradicionais de mercado, caminhando para uma nova forma de mediação econômica que ele chama de “projetamento”.

Jabbour também propõe uma nova categoria para pensar a economia política do socialismo: o projetamento. Diferentemente da clássica dicotomia entre planejamento e mercado, o projetamento seria uma forma superior de racionalidade econômica, baseada na razão como mediadora de decisões e investimentos. Essa forma histórica de planificação permitiria à China, por exemplo, deslocar 200 milhões de pessoas para as cidades em apenas uma década sem os efeitos desorganizadores verificados em experiências semelhantes no Brasil ou na Índia.

Ao comentar a integração da China ao mercado mundial, Jabbour resgata o paralelo com a Nova Política Econômica (NEP) de Lênin, mas argumenta que o uso do mercado como ferramenta transitória nunca significou abandonar a perspectiva socialista. “A presença do mercado não nega o socialismo; ele pode ser orientado para fins socializantes. A diferença é que, na China, a lógica do lucro está sendo cada vez mais subordinada à lógica da contabilidade social do Estado”, explica.

A superação do mercado e o novo modelo de planificação

Para Jabbour, o mercado não desaparece por decreto, mas vai perdendo espaço à medida que o setor público ganha força e eficiência. Ele citou exemplos como a construção de 45 mil quilômetros de ferrovias de alta velocidade na China em duas décadas, ou os subsídios anuais ao transporte público que ultrapassam US$ 580 bilhões – projetos que fogem completamente da lógica mercantil.

“A China está inaugurando uma dinâmica de desenvolvimento liderada pelo Partido Comunista, não apenas pelo Estado. Isso é algo novo e precisa ser compreendido teoricamente”, explicou. Questionado sobre a polêmica envolvendo a utilização de mecanismos de mercado no socialismo, Jabbour foi taxativo: “É uma falsa controvérsia. O mercado é uma categoria histórica que só desaparecerá quando surgirem condições materiais para isso. Até lá, pode ser um instrumento para fortalecer as forças produtivas sob direção política”.

Outro traço fundamental do socialismo chinês, segundo o pesquisador, é a expansão das formas públicas e coletivas de propriedade. Jabbour destaca que o avanço da propriedade pública reduz progressivamente a influência da lei do valor e dos mecanismos de mercado. Ele cita o exemplo dos investimentos bilionários em infraestrutura e transporte público: “Subsídios de mais de 500 bilhões de dólares por ano em transporte público não são decisões de mercado. São projetos guiados por outra lógica, pela razão social.”

Para o geógrafo, a China representa uma nova etapa da construção do socialismo, que supera os dilemas herdados do século XX e inaugura um novo modelo civilizacional. “Hoje, o socialismo se define não apenas pelo que ele nega, mas pelo que ele constrói: uma forma superior de organização social baseada na racionalidade, na planificação e na hegemonia política do proletariado”, conclui.

Segundo ele, tecnologias disruptivas como inteligência artificial, Big Data e 5G estão sendo usadas para criar uma forma superior de planificação econômica, capaz de integrar sociedade, natureza e produção de maneira consciente e planejada.

A centralidade da questão nacional e a crítica às esquerdas sem lugar

Um dos pontos mais debatidos durante a conversa foi a importância da questão nacional na construção do socialismo. Elias Jabur criticou duramente as correntes da esquerda brasileira que teriam abandonado a defesa do Brasil como projeto coletivo e emancipador.

“Uma esquerda que opera na periferia do capitalismo e que não advoga a centralidade da questão nacional perde sua razão de existência”, disse, defendendo que a luta por soberania, desenvolvimento e integração regional deve ser parte fundamental da agenda comunista.

Para ele, a crise da esquerda brasileira está ligada ao abandono desse eixo: “Quando você substitui a luta por um projeto nacional de desenvolvimento por pautas fragmentadas, perde-se o lugar na história. O PCdoB deve ser o núcleo de um bloco patriótico, desenvolvimentista e anti-imperialista”.

Ele criticou a esquerda brasileira por ignorar essas transformações: “Enquanto a China inaugura um novo modelo, muitos insistem em olhar apenas para Europa e EUA. É uma cegueira estratégica”.

Ele também abordou a relação entre as pautas identitárias e a questão nacional, propondo que tais pautas sejam universalizadas e incorporadas dentro de uma visão histórica e materialista da sociedade.

O papel do Partido Comunista: o novo Príncipe de Maquiavel

Ao falar sobre o papel dos partidos comunistas tanto no poder quanto na oposição, Jabbour retomou uma metáfora inspirada em Maquiavel: o Partido Comunista como o “novo príncipe”, capaz de articular forças políticas, construir hegemonia cultural e impulsionar mudanças estruturais na sociedade.

No caso do Brasil, ele defendeu que o PCdoB deve buscar ser o núcleo de um campo político patriótico, desenvolvimentista e anti-imperialista, mesmo estando fora do poder central. Jabbour defendeu que o PCdoB busque a “hegemonia cultural” na esquerda, mesmo com baixa representação eleitoral.

“Nós somos pequenos, mas podemos ter grande influência se formos capazes de oferecer ideias para o país e de liderar o debate intelectual da esquerda brasileira”, afirmou. “Precisamos ser a força que pensa o Brasil de forma soberana e desenvolve teorias sofisticadas para isso. Só assim influenciaremos os rumos do país”, concluiu.

Geopolítica e a guerra híbrida: Trump, EUA e a disputa por um mundo multipolar

Por fim, Jabbour analisou a atual conjuntura internacional marcada por tensões geopolíticas crescentes, especialmente entre Estados Unidos e China. Ele classificou a política externa norte-americana, desde Obama até Trump, como baseada na instalação do caos permanente como forma de manter a hegemonia global.

“Trump não inventou nada. Ele é parte de um processo histórico que usa guerras híbridas, sanções financeiras e redes sociais para desestabilizar governos e economias rivais”, disse.

Ele destacou ainda a resposta da Rússia na Ucrânia e a ascensão da China como sinais de que a ordem liberal criada após 1991 começa a ruir, dando espaço a um mundo multipolar mais complexo e conflituoso. “A resposta da Rússia na Ucrânia e o avanço chinês mostram que há pela primeira vez um contrapoder militar e econômico capaz de frear essa escalada”, avaliou.

A necessidade de reinventar o comunismo no Brasil

Encerrando a live, Elias Jabbour reafirmou a urgência de repensar o comunismo no Brasil, com base na realidade histórica e nas contradições específicas do país. Segundo ele, o caminho passa por uma reconstrução intelectual e política que coloque o Brasil no centro das discussões, articulando desenvolvimento, soberania e justiça social.

“O comunismo não é abstrato. É uma prática concreta, feita de lutas, projetos e decisões políticas. E só será vitorioso se souber responder às perguntas que a história nos faz hoje”, concluiu.

Uma experiência em disputa

A fala de Elias Jabbour se insere em um contexto de crescente interesse sobre as transformações na China e seus impactos sobre o pensamento socialista contemporâneo. Ao propor categorias como projetamento e desenvolvimento liderado pelo Partido Comunista, ele busca atualizar o debate marxista para os desafios e as possibilidades do século XXI.

Em tempos de crise ambiental, desigualdade global e impasses do neoliberalismo, sua leitura convida à reflexão sobre alternativas reais e concretas de organização social — ancoradas em práticas históricas e experiências de poder, não em abstrações acadêmicas.

A live integra uma série de debates preparatórios para o 16º Congresso do PCdoB, que ocorrerá em maio. Em breve, Jabbour participará do PodMarx, podcast da Escola Nacional, analisando o Manifesto Comunista.

Assista a íntegra da Live do João:

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