Artistas na sala de visitas

Em busca de arte com afeto e identidade, autor celebra os espaços culturais intimistas do Recife que unem encanto, proximidade e experiências sensoriais marcantes.

Poço das Artes, Recife | Foto: Carlos Silva

Não fazem parte de meu repertório, não consigo gostar. Grandes shows, artistas renomados, teatros lotados, estádios barulhentos, apinhados de gente, muita tietagem. Definitivamente não são para mim.

Adoro música, adoro arte, mas me sinto excluído naqueles espaços. Preciso me sentir partícipe, o espaço e suas características têm que fazer parte do que cultivo.

Espaços intimistas. Meus preferidos. Salas de visitas de casas, com cheiro de morada, onde possa ver os detalhes, onde os quadros escolhidos sejam expostos em contextos, onde haja oportunidade de admirar a decoração e suas breguices, onde o sofá seja puído. Neles me encontro.

Nestes sou eu. Locais onde tomo um cálice de vinho, onde sinto o cheiro do pão e do doce, vindos da cozinha, onde imagino os quitutes, companheiros indispensáveis, que acompanham o momento cultural.

Tenho descoberto. Pequenos espaços. Recife os esconde. Só para selecionados, só para curtidores, gente que na idade avançada estruturou sua mente para os momentos de ócio e lazer, nos quais se pode cultivar o gosto de observar detalhes.

No Poço da Panela me encontro. Duas casas que me acomodam, me acolhem, que têm o meu jeito. Duas experiências que procuro freqüentar sempre que sou informado e posso.

Clóvis Fázio, artista, pintor, amigo de bar. Uma casa e alguns quartos. Encontro um quintal à antiga. Com mesas enferrujadas e cadeira de balanço. Onde um galo pode cantar ao amanhecer. Exposições de quadros e esculturas.

Artistas novos e famosos. Desde o próprio dono da casa, sua esposa, até Romero Andrade Lima. De erótico ao paisagismo. Exposições que duram pouco, quinze dias no máximo. Em breve virá outra. Momentos em que o Recife é exposto, as visões dos artistas refletem o rio que ao lado passa, a serenidade das plantas que nos cercam no local.

Clarissa e o Poço das Artes. Sempre que é possível, às sextas ou aos sábados à noite, lá me refugio. Uma sala de estar, com sofá e poucas mesinhas. Um closet apertadinho, um brechó com roupas de grife.

A espera tradicional. Vinho tinto, uma taça. A pizza de prosciuto de Parma, de alho ou de tomates confitados. O queijo camembert  com damasco e umas torradas incríveis.

Seleção bem cuidada de artistas, profissionais de muito respeito. Sejam os que aqui passam ou os que são naturais da cidade. Muita gente competente, grande qualidade. Jazz, blues, música brasileira, música latina. Só coisa boa.

Walmir Chagas, Geraldo Maia, músicos do Conservatório de Música e muitos outros, lá estiveram com shows fantásticos, sempre para uma platéia pequena, 20 ou 30 pessoas, platéia sempre fascinada e participativa.  

Última sexta feira. Um trio muito animado, “Los Guaracheros”. Argentino, austríaco e gaucho se juntam para comemorar a latino-americanidade. Boleros, salsas e cúmbias. Dois tangos que me apaixonam. La Comparsita e Por Uma Cabeça, ouvia na minha casa, meu pai era fascinado pelo ritmo.

No espaço pequeno, dançamos, brindamos aos laços culturais que nos unem, que nos fazem latinos do sul. Noite por demais enriquecedora. Pelo menos para a minha alma e das companheiras de mesa.

A cidade também apresenta diversidade de artes. Espaços para poesia. Um novo, Casa de Alzira. Ia ter um sarau na terça feira. Lá fomos, lá nos encontramos.

Terceiro andar do museu Afro, no Bairro do Recife. A entrada é esquisita, o elevador não funciona, subir a pé um esforço que só depois soubemos que seria recompensado.

A sala lindíssima e muito bem ambientada. Uma cantina, bem pequena, mas com quiches e empadas maravilhosas. O vinho barato, mas gelado e de boa qualidade. Essa entrada no local já me anima.

Ceronha Pontes, nossa artista maior, e Flavinha se apresentaram. Poesias autorais para um pequeno público extasiado. Duas canções poemas, feitas em capela, voltando à latinidade. Canções argentina e uruguaia, de poetas que sabem mexer com a alma.

Uma escritora convidada apresenta seu livro, Jô Freitas. Concorre ao Jabuti, é finalista. Prêmio para uma produção independente. Baiana, mora em São Paulo, apaixonada pelo Nordeste e sua cultura. Bom conhecê-la.

Uma noite que enche a alma e nos faz sonhar. Os poetas vêm um mundo que quase nunca vemos. Fazem com que sonhemos com fraternidade e felicidade, que possamos, pelo menos em mente, construir um mundo melhor.

Olinda e as casas dos artistas. Estas semanas estão abertas. Andar pelas ladeiras, entrando de casa em casa e admirando trabalhos incríveis. Verdade, nem todos são tão especiais, mas muito de excelência se pode ver.

Uma água gelada, uma balinha de agrado, gente que faz do belo seu mundo, que tem como missão de vida mostrar as cores e formas que podem nos fascinar. Que fica feliz em nos incluir nesse mundo mágico.

Espaços que vão se abrindo. Que mudam a dimensão da cidade em que vivemos. Que nos trazem encantamento, reflexão, principalmente crença de um mundo mais pleno de força e esperança.

E cá onde moro, é cá que as coisas fazem sentido.

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