Piada de preconceito é livre?

Preconceitos são muito graves. Eles sempre matam pessoas. Revoltante e indigno.

O ator Grande Otelo, em cena de "Assalto ao Trem Pagador"

Comecemos pela notícia no G1: “Condenação de Léo Lins reacende debate sobre limites do humor e da liberdade de expressão; veja o que dizem juristas”.

A condenação de Léo Lins por ter cometido piadas preconceituosas durante um show de stand-up chamado “Perturbador” reacendeu o debate sobre os limites do humor e da liberdade de expressão.

Segundo a magistrada, o próprio Léo Lins admite que sua fala é preconceituosa e faz piada do fato, por isso o dolo (a intenção de cometer o crime) está comprovado.

“Sou gordo, adoro comer e não gosto de fazer exercício. Como vou emagrecer? Pegando aids! Cê não adora comer de tudo? Sai comendo gay sem camisinha, uma hora dá certo! Essa piada pode parecer um pouco preconceituosa. Porque é”, assim falou o “humorista”.

Então retomo. Eu já havia observado antes que piadas racistas não têm a mínima graça, primeiro porque degradam a pessoa a uma caricatura estúpida, abaixo do animal. Segundo porque, mais grave, humor de racistas fere e destrói a pessoa humana. Em um texto, anotei: se continuarmos a julgar como piada os preconceitos contra sexos, raças, em resumo, contra gentes, depois não seremos dignos sequer de pena.

A memória da gente nem precisa lembrar os papeis infames que foram dados a Grande Otelo, um ator completo, do trágico à comédia, em que sempre se destacavam os seus lábios grossos, os seus olhos arregalados, quando fazia papel de escada para o “verdadeiro” comediante, Oscarito. Mas sempre em papeis subalternos

Grande Otelo atuava como contraste a Oscarito, como um Gordo e o Magro brasileiro, que se traduzia em o Negro e o Branco. Ora, foi preciso que o gênio de Grande Otelo fosse revisto em obras anunciadoras do Cinema Novo, em filmes como “Rio, Zona Norte”, e, principalmente, no grande “Assalto ao Trem Pagador,” para vê-lo na dimensão fora da caricatura do negro feio e metido, que se achava. A maravilha que representava Grande Otelo no cinema, nos palcos, para o preconceito nacional passou batido. Nas comédias, nas chanchadas, ele era apenas mais um negro, no crime bárbaro cometido pelo cotidiano nacional.

Lembro do assassinato de Bunitinho a tiros, durante uma ação de guerra do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro. O incidente aconteceu durante um baile funk no Morro do Dendê, Mais uma vez, morte de negros num baile funk não era coincidência. Mas vamos ao ponto negro, mais preciso: o assassinato do senhor Diego de Farias Pinto, mais conhecido como “Bunitinho, me fez ir a seus vídeos de piadas. E pude ver. Eram vídeos onde ele aparecia num papel infantilizado, representando um papel de idiota. Depois da sua morte a tiros foi que se viu de modo mais contundente que Bunitinho não era o engraçado, nem o idiota. Pelo contrário, a imbecilidade era nossa, que o procurava como um negro feio, desdentado, imbecil, no papel do bobão, que se vangloriava de comer duas mulheres brancas, porque era madeira. Os vídeos eram “piadas” em que ele repetia a voz do filmador, porque somente com a cara e voz de Bunitinho seria cômico, o “cachorrão”.

No fim, Bunitinho, o seu assassinato, nada teve de bunitinho. Para todos, morreu um palhaço negro. Mas o palhaço Bolsonaro, o branquinho fascista, continua estúpido. Bunitinho é o povo brasileiro, assassinado em Paraisópolis e na Baixada. Isso não é bonito, é indigno da terra de Cartola e Pixinguinha, que não eram bunitinhos. Eram civilização brasileira, apenas.

Preconceitos são muito graves. Eles sempre matam pessoas. Revoltante e indigno.

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