STF cobra do Google autor de postagem da minuta do golpe e autoriza acareações

Ex-ministro admite relevância da prova que ele mesmo guardava, cuja importância tenta minimizar; STF autoriza perícia, acareações e expõe contradições nas versões de Torres

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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça-feira (17) que o Google Brasil forneça, em até 48 horas, os dados de quem publicou na internet a chamada “minuta do golpe”. A solicitação partiu da defesa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e réu no “núcleo central” da trama golpista que tentou impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A medida, embora apresentada como estratégia de defesa, expõe uma contradição flagrante: ao pedir uma perícia para comparar a minuta divulgada online com o documento encontrado em sua casa pela Polícia Federal, Torres acaba por reconhecer a gravidade e o conteúdo da prova que, até então, buscava desqualificar.

Se a minuta “não tem valor jurídico” e “circula livremente pela internet”, como alegam seus advogados, por que realizar diligência para apurar sua autoria e autenticidade? O gesto sugere que o próprio Torres não está seguro sobre a origem ou as implicações do documento — o que enfraquece a narrativa de desimportância sustentada até agora.

Estratégia tenta dissociar Torres do núcleo golpista, mas recai sobre ele próprio

A minuta foi encontrada pela PF em 2023, durante busca e apreensão na residência de Anderson Torres. O documento previa medidas inconstitucionais para impedir a posse de Lula por meio da decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A tentativa de dissociar o material apreendido de outros documentos e da atuação de Jair Bolsonaro junto às Forças Armadas é parte de uma estratégia defensiva que agora depende de laudos técnicos. A defesa quer provar que o conteúdo é diferente do apresentado pelo ex-presidente aos militares em 2022. No entanto, o simples fato de o texto estar em posse de Torres já compromete sua alegação de alheamento.

Adicionalmente, a argumentação de que a ampla circulação do texto na internet seria uma prova de que ele não tem importância esbarra em outra incoerência: se realmente fosse inofensivo, por que Torres o mantinha guardado em sua casa?

STF autoriza acareações e revela disputas entre versões

Além da solicitação ao Google, Moraes acolheu outros pedidos da defesa de Torres e autorizou duas acareações. A primeira será entre o próprio Torres e o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército. A segunda envolverá Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa.

No caso de Freire Gomes, a acareação buscará esclarecer contradições nos relatos prestados à PF. O general esteve presente em reunião com Bolsonaro na qual estudos golpistas teriam sido apresentados. O embate direto entre as versões pode aprofundar ainda mais a tensão entre réus e testemunhas que já começam a adotar narrativas defensivas conflitantes.

Esses enfrentamentos diretos são uma tentativa da defesa de Torres de confrontar testemunhos que indicam sua participação ativa na articulação golpista — mas, ao mesmo tempo, expõem a fragilidade do bloco de defesa dos envolvidos.

Defesa aposta em perícias, mas STF mantém curso do processo

A defesa de Anderson Torres também pediu uma perícia audiovisual para comparar falas suas em uma live de 2021, na qual atacava o sistema eletrônico de votação, com o conteúdo de relatórios da Polícia Federal. O objetivo seria minimizar seu engajamento no discurso golpista. Moraes acatou a solicitação.

Paralelamente, o ministro autorizou, a pedido do almirante Almir Garnier, que a Marinha informe a data da expedição da Ordem de Movimento da Operação Formosa 2021, apontada como evento-chave nas articulações prévias ao 8 de Janeiro.

Por outro lado, Moraes negou pedidos de maior alcance, como o da defesa de Jair Bolsonaro para anular a delação premiada de Mauro Cid e o acesso a provas de outros processos. Também rejeitou o pedido de Braga Netto para suspender a ação penal e o de outros réus para mais tempo na análise de mídias.

Contradições ameaçam narrativa defensiva

A sucessão de pedidos apresentados pela defesa de Anderson Torres — que tenta ao mesmo tempo desacreditar e investigar a minuta do golpe — revela mais do que estratégia jurídica: revela incertezas internas e fissuras entre os réus.

Ao admitir a necessidade de perícia sobre um documento que afirmava ser irrelevante, a defesa enfraquece sua própria linha argumentativa. Ao tentar afastar a minuta de Bolsonaro e das Forças Armadas, Torres reforça sua vinculação direta ao material. E ao pedir acareações, busca sustentar sua versão enquanto desafia a coesão do grupo que participou, em diferentes graus, da tentativa de ruptura institucional.

No tabuleiro da responsabilização pelo 8 de Janeiro e a tentativa de golpe, Anderson Torres corre o risco de deixar de ser peça lateral para se tornar protagonista isolado.

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