EUA – A espiral do ódio e um alerta para o Brasil

Enquanto externamente apoia e conduz a mão assassina de Israel, os EUA estão conflagrados internamente como em poucos momentos da sua história, com a extrema-direita cada vez mais agressiva, o que serve de alerta para alguns “distraídos” no Brasil.

Melissa Hortaman, deputada democrata assassinada juntamente com seu marido por um fascista adepto de Donald Trump

A intolerância e a violência política crescem na mesma medida em que o fascismo se fortalece. Vemos isso com clareza no Brasil, e nos EUA a coisa é ainda pior, com muitos analistas apontando para o risco de uma guerra civil.

O Partido Democrata, como se sabe, não representa qualquer alternativa real à plutocracia estadunidense, da qual sua cúpula faz parte. Conduz uma oposição a Trump nos marcos da defesa do sistema plutocrata e imperialista, mas o fascismo é intransigente e não admite qualquer dissensão, por menor que seja.

No último sábado (14) um homem matou a deputada estadual democrata de Minessota, Melissa Hortman, e seu marido (Mark) e feriu um senador democrata (John Hoffman) e a esposa (Yvette). Tentou ainda matar outros parlamentares democratas, sendo impedido pela polícia.

O jornal O Globo, baseando-se em reportagem do New York Times, informa que o assassino, Vance Bolter, de 57 anos, “mantinha um caderno com cerca de 70 alvos potenciais”.

A senadora Tim Smith afirmou que o caderno encontrado com o suspeito incluía o nome dela e de vários outros parlamentares, todos opositores do trumpismo. Ele também tinha referências a protestos marcados para o mês de junho contra o presidente Donald Trump.

Vance Bolter, o assassino, não surgiu do nada. Ele é fruto de uma virulência cada vez maior da extrema-direita estadunidense que ganha mais destaque quando a vítima é uma liderança pública.

A ex-deputada democrata Gabby Giffords foi baleada na cabeça em 2011 e sobreviveu, assim como sobreviveu, com sequelas, Paul Pelosi, de 84 anos, marido da então presidenta da Câmara de Representantes, agredido com marretadas na cabeça em 2022. O agressor, David DePape era influenciado por teorias da conspiração de extrema-direita conhecidas como QAnon e reconheceu no tribunal que sua intenção era fazer a democrata Nancy Pelosi refém.

Durante a última campanha eleitoral, o escritório da candidata do partido democrata Kamala Harris foi atingido por tiros e, até a data do pleito, dezenas de casos de agressão foram registrados, a imensa maioria tendo como vítimas políticos e ativistas anti-Trump.

Não são apenas parlamentares de oposição e militantes anti-Trump os ameaçados. Juízes federais, promotores e outros funcionários judiciais estão na mira. De janeiro a abril deste ano, informa O Globo “houve mais de 170 incidentes de ameaças e assédio contra autoridades locais em quase 40 estados”.

No dia 09/6 Trump ameaçou o governador democrata da Califórnia,  Gavin Newsom, de prisão e o trumpista que preside a Câmara de Representantes disse que o Governador deveria ser “empastado com piche e coberto com penas”, punição historicamente usada como forma de humilhação pública. No dia 12/6 o senador democrata Alex Padilla foi imobilizado no chão e algemado por tentar fazer uma pergunta a um secretário de gabinete durante uma coletiva de imprensa.

Um dos objetivos primários dos ataques, muitos deles realizados com a cumplicidade do aparelho policial ou até mesmo pelo próprio aparelho policial, é intimidar todos os que não aderem à liderança fascista. “Há meses, o deputado Greg Landsman, democrata de Ohio, tem sido assombrado pela ideia de que pode ser baleado e morto. Toda vez que faz campanha em um evento lotado, ele conta que se imagina sangrando no chão”, revela O Globo.

Trump, durante o desfile militar que promoveu no último sábado (14), mesmo dia em que os parlamentares democratas foram mortos e feridos, declarou que qualquer manifestante de oposição seria enfrentado com “força pesada”. No dia seguinte, durante um protesto anti-Trump em Utah, um jovem trumpista de 24 anos sacou uma AR-15 no meio da multidão. Antes que disparasse, outro jovem atirou nele, mas errou e acertou um integrante da manifestação, Arthur Folasa Ah Loo, de 39 anos, que morreu.

O presidente republicano, de fato, é a principal fonte de estímulo para disseminar o clima de medo. Durante a campanha eleitoral, se recusou a descartar a possibilidade de violência se perdesse. Quando questionado pela revista Time em abril se esperava violência após a eleição, ele disse: “Se não vencermos, você sabe, depende.”

Como lembra O Globo, “ele encorajou os participantes de seus comícios a ‘dar uma surra’ nos manifestantes, elogiou um parlamentar que agrediu um repórter com um golpe corporal e defendeu os manifestantes em 6 de janeiro de 2021, que clamavam para ‘enforcar Mike Pence’. Um de seus primeiros atos em seu segundo mandato como presidente foi perdoar esses manifestantes”.

Quem colhe vento, semeia tempestade

O trumpistas não deixam de ser atingidos, como foi o caso do deputado republicano Steve Scalise, que sobreviveu aos ferimentos após ser baleado em 2017 durante um jogo de beisebol. O próprio Trump foi vítima de violência durante a campanha, quando sua orelha foi atingida de raspão por um tiro.

E o desenrolar de uma espiral de violência pode assumir proporções inesperadas, principalmente se levarmos em conta que revólver é artigo comum nos lares estadunidenses e mesmo armamento de maior calibre tem ampla venda e circulação. Em um cenário deste tipo, nunca se sabe quando uma fagulha será suficiente para o início de um incêndio devastador, do qual os recentes protestos na Califórnia podem ter sido apenas um ensaio.

Seja como for, mesmo que não se acredite em guerra civil propriamente dita (que alguns acham inclusive que já está em curso), a hipótese de grandes conflagrações armadas em solo estadunidense não deve ser descartada.

E no Brasil?

Para mencionar apenas casos bem recentes, uma tragédia de grandes proporções foi impedida quando a polícia desarticulou um plano que previa a realização de atentados durante o show de Lady Gaga no Rio de Janeiro, no início de maio. Os atentados seriam promovidos por pessoas motivadas ainda não se sabe bem pelo que, embora a homofobia quase certamente esteja presente.

Foi igualmente no mês de maio que o professor e doutorando em história, César Augusto Mendes Cruz, foi perseguido e ameaçado após dar uma aula sobre o conceito de tempo para alunos do sexto ano de uma escola no interior de São Paulo. A aula, na qual o professor usava referências afro-brasileiras, da arte europeia e da música popular, incomodou fundamentalistas e, pressionado, ele acabou pedindo demissão da escola que usa o modelo “cívico-militar”.

Nesta terça-feira (17), a vereadora petista Elisane Rodrigues dos Santos, de 49 anos, foi encontrada morta a facadas no interior do município de Formigueiro, no Rio Grande do Sul. Elisane, técnica em enfermagem, era a única mulher a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal e cumpria seu primeiro mandato. De acordo com a Polícia Civil, Elisane apresentava ao menos dez perfurações, principalmente na região do pescoço. A polícia afirma que não foi latrocínio, pois todos os pertences da vereadora estavam no carro. Embora não se possa descartar a possibilidade de feminicídio sem motivação ideológica, é preciso que se investigue com rigor.

Afinal, os ambientes políticos americano e brasileiro parecem ter muitos pontos de contato. Apesar de a “nossa” versão de Trump estar prestes a ir para o xilindró,  o grosso da mídia hegemônica segue normalizando as falas da extrema-direita nativa, como vimos em relação à entrevista do senador Flávio Bolsonaro para o jornal Folha de S. Paulo, anunciando aberta e impunemente, para um futuro próximo, a articulação de um golpe com “uso da força”.

Ninguém tem uma receita universal para enfrentar o fascismo, mas existe uma receita infalível para permitir seu triunfo: fingir que nada está acontecendo ou minimizar o perigo.

Que abram os olhos os que, por cálculo eleitoral, tentam eternamente se equilibrar em cima de um muro que praticamente já não existe de tão fino, buscando diminuir a gravidade de palavras e atos da extrema-direita com justificativas das mais disparatadas.

Como vimos no caso do Partido Democrata dos EUA, quando o fascismo vence, nem quem passou pano ou se omitiu é poupado.

As circunstâncias fazem os homens tanto como os homens fazem as circunstâncias“. Karl Marx, A Ideologia Alemã (1846).

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