Carmona analisa quem venceu conflito Irã-Israel e destaca falência da “mudança de regime”
Ao “Entrelinhas Vermelhas”, especialista Ronaldo Carmona discute os desdobramentos dos ataques dos EUA e Israel ao Irã e o papel dos BRICS na nova ordem global
Publicado 26/06/2025 18:00 | Editado 26/06/2025 18:18

O ataque coordenado dos Estados Unidos e Israel às instalações nucleares iranianas, inicialmente celebrado como um sucesso técnico, revelou-se uma vitória pírrica. Em entrevista ao Entrelinhas Vermelhas, Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG), diz que o Irã não apenas resistiu à pressão – mas também reforçou sua narrativa de defesa nacional diante da agressão externa. “Quando um país é atacado, há uma natural unificação interna. O Irã, longe de se desestabilizar, consolidou seu regime teocrático, que agora se apresenta como o guardião da soberania nacional”, afirmou.
Carmona destacou que a estratégia de mudança de regime, defendida por Trump e Netanyahu, esbarrou na realidade histórica do Oriente Médio. “Países como o Iraque e a Líbia, que sofreram intervenções ocidentais, estão hoje mergulhados no caos. O Irã, ao contrário, aprendeu com esses exemplos e reforçou sua determinação de manter o programa nuclear como dissuasão”, explicou, referindo-se à lição tirada pelo regime iraniano após a derrubada de Saddam Hussein e Muamar Kadafi.
Assista a íntegra do programa Entrelinhas Vermelhas:
Resiliência iraniana x ambições israelenses
A resposta iraniana, que incluiu ataques com drones e mísseis a alvos israelenses, expôs as limitações do sistema de defesa de Tel Aviv e reforçou a percepção de fraqueza estratégica de Israel. “Netanyahu tentou transformar o conflito em uma campanha de reafirmação do poder israelense, mas o resultado foi uma vitória tática do Irã. O ataque iraniano demonstrou que o sistema de defesa israelense não é impenetrável”, avaliou Carmona.
O especialista também criticou a narrativa israelense de que o Irã representa uma ameaça existencial. “O foco obsessivo de Israel em destruir o programa nuclear iraniano ignora uma realidade simples: enquanto o Irã vir os EUA e Israel como ameaças, sua busca por capacidade dissuasiva continuará. Os ataques só aceleraram esse processo”, alertou.
BRICS e a disputa pela nova ordem global
O debate também abordou o papel dos BRICS como contrapeso à hegemonia norte-americana. Carmona destacou que o bloco representa uma plataforma para a multipolaridade, mas ressaltou suas limitações. “Os BRICS são um espaço de cooperação econômica e diplomática, mas não uma aliança militar. A China, por exemplo, busca expandir sua influência sem confronto direto com os EUA, enquanto a Índia mantém relações ambíguas com Washington”, observou.
Sobre o Brasil, o professor lamentou a falta de uma estratégia coerente de defesa nacional. “Investimos pouco em nosso poder militar e tecnológico, o que nos torna vulneráveis em um mundo cada vez mais polarizado. A diplomacia brasileira, historicamente baseada no multilateralismo, precisa ser reforçada com capacidade de projeção de poder”, afirmou, citando o fracasso do acordo nuclear Brasil-Turquia em 2010, sabotado pelos EUA.
Fragilidade do cessar-fogo e riscos de escalada
Apesar do anúncio de trégua, Carmona considera o cessar-fogo “extremamente frágil” para a região. “Trump impôs a Netanyahu uma pausa nos ataques, mas as raízes do conflito permanecem. O Irã, mesmo sob avaliações, continuará seu programa nuclear, e Israel não desistirá de sua obsessão com a mudança de regime em Teerã”, alertou.
O especialista também destacou o impacto das tensões no Oriente Médio sobre o preço do petróleo e a economia global. “O Estreito de Ormuz é um ponto crítico. Qualquer interrupção no fluxo de petróleo afetará diretamente a Europa e a Ásia, aumentando a pressão por uma solução diplomática”, concluiu.
O fim da era unilateral e o desafio da multipolaridade
O conflito Irã-Israel, segundo Carmona, ilustra o colapso da ordem internacional unipolar liderada pelos EUA. “Estamos numa fase de transição, onde potências emergentes como a China e a Rússia desafiam a hegemonia americana. O Irã, ao resistir à pressão dos EUA, torna-se um símbolo dessa nova realidade”, afirmou.
Para o Brasil, o caminho passa para fortalecer sua autonomia estratégica. “Precisamos investir em ciência, tecnologia e defesa, além de fortalecer parcerias nos BRICS. A diplomacia não será suficiente se não estiver apoiada em poder real”, concluiu, lembrando que a história mostra: nações atacadas só sobreviveram se combinando em resistência interna e aliados confiáveis.