Correios estatais: relevância e resistência em um mundo digital

A razão central para a permanência dos operadores postais públicos é o conceito de serviço postal universal, que garante a qualquer pessoa, em qualquer lugar do território, serviços de qualidade

Os Correios estatais continuam exercendo um papel essencial em muitos países, mesmo diante das transformações profundas trazidas pela era digital. Em vez de desaparecer, ganharam novas funções e reafirmaram sua importância como instrumentos de inclusão, coesão social e soberania nacional. Mesmo com a queda no volume de cartas, mais de uma centena de países ainda mantêm seus operadores postais sob gestão pública. Estados Unidos, China, França, Espanha e Brasil são alguns dos exemplos.

Em diferentes modelos e com distintos níveis de controle estatal, a presença pública nos serviços postais ainda é a norma. Longe de ser um vestígio do passado, os Correios estatais respondem com modernidade às necessidades sociais, territoriais e estratégicas do presente.

Nos países em que se mantêm sob controle público, os correios assumem um papel que vai muito além da entrega de correspondências. Durante a pandemia de Covid-19, os Correios públicos mostraram sua capacidade de adaptação e compromisso com a vida. Na China, por exemplo, a China Post é totalmente estatal e cumpre uma missão pública clara: garantir o serviço postal universal mesmo nas regiões mais remotas e de difícil acesso do país. A empresa opera com subsídios cruzados e oferece serviços bancários através do Postal Savings Bank of China, promovendo inclusão financeira em milhares de distritos sem agências bancárias comerciais. Durante a pandemia, a China Post distribuiu medicamentos, kits de saúde e materiais escolares. Eles integram políticas públicas, garantem acesso universal à comunicação, promovem inclusão territorial e fortalecem a soberania.

Na Índia, os trabalhadores da India Post, um dos maiores sistemas postais do mundo, continuaram atuando nas ruas e vilarejos do país durante a pandemia. Com mais de 156 mil agências, sendo 90% delas localizadas em áreas rurais, o serviço postal indiano tornou-se a principal alternativa para entregas urgentes de medicamentos, alimentos e outros itens essenciais em um momento em que empresas privadas restringiram suas operações. A importância da capilaridade e da confiança da população nos carteiros reacendeu o reconhecimento público da relevância desse serviço, especialmente em tempos de crise.

Na Espanha, os Correos atuaram na linha de frente da resposta social à pandemia, colaborando com o transporte de suprimentos médicos, apoio logístico ao sistema de saúde e a distribuição de equipamentos de proteção individual em diversas regiões.

Na Irlanda, carteiros da An Post também adotaram medidas semelhantes. Além de entregas essenciais, passaram a realizar visitas presenciais a idosos e pessoas vulneráveis por meio da iniciativa “Request a Check-In”, que permitia que familiares ou vizinhos solicitassem, gratuitamente, que o carteiro local passasse na casa de alguém em situação de isolamento. Caso a pessoa visitada precisasse de ajuda com compras ou medicamentos, o carteiro podia encaminhá-la ao serviço de apoio da organização ALONE ou acionar diretamente a rede de resposta comunitária. A ação reforçou o papel de proximidade e confiança dos serviços postais em meio à crise sanitária.

No Brasil, os Correios, reconhecidos como serviço essencial, mantiveram suas operações durante todo o período de isolamento social, garantindo à população o acesso a encomendas, materiais escolares e correspondências. Mesmo em meio às restrições, a empresa adotou protocolos de segurança para proteger trabalhadores e usuários, mantendo as entregas presenciais em áreas urbanas e rurais, e reafirmando seu compromisso público.

A razão central para a permanência desses operadores postais públicos está no conceito de serviço postal universal. Essa política garante que qualquer pessoa, em qualquer parte do território, tenha direito ao acesso a serviços postais de qualidade, com regularidade e a preços acessíveis. Trata-se de uma obrigação que o mercado não cumpre espontaneamente. Onde o serviço foi privatizado, em muitos casos houve retração do atendimento, aumento de preços e abandono de regiões remotas.     

Essa capacidade de resposta em momentos de crise mostra que os Correios são parte da infraestrutura estratégica do Estado. Em muitos lugares, são o único ponto de contato direto entre governo e população. Realizam pagamentos, distribuem material educativo, oferecem serviços bancários, fazem cadastramentos e entregam documentos oficiais. Nos Estados Unidos, a USPS garantiu o voto por correspondência para milhões de pessoas em áreas rurais na eleição de 2024, reforçando o papel do correio na garantia da democracia. Além disso, o USPS implementou o programa “Delivering for America”, um plano de 10 anos que prevê investimentos de bilhões de dólares em infraestrutura, modernização e sustentabilidade, reafirmando o papel estratégico da instituição.

Quando comparamos com o setor privado, a diferença se aprofunda. Empresas como UPS e FedEx cobram sobretaxas elevadas para entregar em zonas rurais nos EUA ou, simplesmente, não operam em regiões menos rentáveis. Relatório do Institute for Policies Studies, de abril/25, mostra que, se o serviço postal for entregue completamente ao setor privado, milhões de pessoas seriam excluídas ou obrigadas a pagar tarifas muito maiores. O resultado é o aprofundamento das desigualdades territoriais e a mercantilização de um serviço que deveria ser um direito.

Em vez de considerar o serviço postal como um vestígio do passado, a experiência internacional mostra que muitos países têm apostado em reinventar seus Correios públicos com novas funções, tecnologias e fontes de receita, mantendo o compromisso com a universalização, o desenvolvimento territorial e o bem-estar da população. Essa abordagem não apenas preserva empregos de qualidade. Ela também garante atendimento equitativo e fortalece a presença do Estado onde ele é mais necessário. e garante atendimento equitativo, como também fortalece a presença do Estado onde ele é mais necessário.

A UNI Post & Logistics, que representa mais de 2 milhões de trabalhadores postais em mais de 150 países, defende esse caminho: correios 100% públicos, sustentáveis, digitalizados e capazes de oferecer novos serviços sociais e financeiros, como o atendimento a idosos, logística de saúde e inclusão digital. A UNI atua fortemente na defesa da missão pública dos operadores postais, apoiando campanhas contra privatizações e promovendo políticas de modernização com inclusão. No Brasil, a FINDECT (Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Correios) tem atuado com firmeza nesse debate, articulada à UNI, reforçando a importância dos Correios como instrumento de coesão social, desenvolvimento nacional e integração territorial. A federação defende uma modernização com valorização dos trabalhadores e preservação do caráter público da empresa.

A defesa dos Correios públicos, presente em tantas nações, não é um gesto de resistência nostálgica, mas uma escolha estratégica. Em tempos de transformação tecnológica e desigualdade crescente, garantir que todos tenham acesso a um serviço postal universal, acessível e de qualidade é reafirmar o compromisso com a cidadania e a coesão nacional. Manter os Correios como patrimônio público é investir em um futuro que não deixa ninguém para trás.

REFERÊNCIAS

AN POST. An Post introduces  “Request a Check-In”  and Newspaper Delivery Services. Disponível em:https://www.anpost.com/Media-Centre/News/An-Post-introduces-%C2%A0%E2%80%98Request-a-Check-In%E2%80%99%C2%A0-and-Newspaper-Delivery-Services

Acessado em 20/06/2025

CORREIOS. Relatório de administração 2021. Disponível em: https://www.correios.com.br/acesso-a-informacao/institucional/publicacoes/relatorios/relatorio-de-administracao/arquivo/relatorio-de-administracao-2013-exercicio-2021.pdf

Acessado em 20/06/2025.

CORREOS. Correos ya ha participado en más de 450 iniciativas solidarias.  Disponível em: https://www.correos.com/sala-prensa/correos-ya-ha-participado-en-mas-de-450-iniciativas-solidarias/

Acessado em 20/06/2025

INSTITITUTE FOR POLICIES STUDIES. Who Would Pay the Biggest Price for Postal Privatization?

Disponível em https://ips-dc.org/release-102-million-americans-in-suburbs-small-towns-remote-areas-would-pay-biggest-price-for-postal-privatization/?utm_source=chatgpt.com

Acessado em 20/06/2025

IPC POST CORPORATION. China Post in action to fight against the epidemic. Disponível em https://www.ipc.be/news-portal/general-news/2020/04/24/11/33/china-post-in-action-to-fight-against-the-epidemic

Acessado em 20/06/2025

LA POSTE. Our public service missions. Disponível em https://www.lapostegroupe.com/en/our-public-service-missions

Acessado em 20/06/2025 LEONARD, Devin. Neither Snow nor Rain: A History of the United States Postal Service. Nova York: Grove Press, 2017. 336 p.

Autor