Senado aprova projeto de Trump que tira saúde dos pobres e favorece bilionários

Com voto de minerva, pacote amplia isenções ao 1% mais rico, corta US$ 1 tri em direitos sociais e pode deixar 12 milhões de pessoas sem cobertura de saúde

Senado dos EUA aprova pacote fiscal de Trump com voto de desempate de JD Vance. Foto: Reprodução/ Senado EUA

O Senado dos Estados Unidos aprovou nesta terça-feira (1º) o principal projeto fiscal do segundo mandato de Donald Trump, um pacote de política interna que estende cortes de impostos e institui novos benefícios fiscais para bilionários, aumento dos gastos com Defesa e combate a imigração, financiados por cortes em programas sociais e aumento da dívida pública. 

A votação foi apertada: 51 a 50, com o vice-presidente JD Vance dando o voto de desempate.

Três senadores republicanos — Susan Collins (Maine), Rand Paul (Kentucky) e Thom Tillis (Carolina do Norte) — se juntaram aos 47 democratas e votaram contra a proposta. 

Collins citou preocupações com os cortes no Medicaid, o principal programa de assistência médica do país; Paul rejeitou o texto por não conter cortes de gastos mais profundos; Tillis acusou o projeto de trair os eleitores dependentes do sistema de saúde público. 

A proposta retoma e aprofunda o receituário fiscal do primeiro mandato de Trump. Ela prorroga os cortes de impostos de 2017, cria isenções sobre gorjetas e horas extras, permite deduções para a compra de carros nacionais e cria contas-poupança públicas para recém-nascidos. 

Enquanto isso, elimina cerca de US$1 trilhão em verbas para o Medicaid e o SNAP, o programa de alimentação voltado à população de baixa renda.

Segundo o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), a aprovação do projeto poderá deixar cerca de 12 milhões de pessoas sem cobertura de saúde. Estimativas do Yale Budget Lab indicam que 80% da população mais pobre verá sua renda disponível cair. Já os 10% mais ricos receberão, em média, US$ 12 mil a mais por ano, consolidando o caráter regressivo da proposta.

Sanders denuncia sistema que transfere renda dos pobres aos bilionários

Durante o debate no plenário, o senador Bernie Sanders denunciou que o projeto “não é um presente para a classe bilionária. Eles pagaram por ele. É o reflexo de um sistema corrupto que permite comprar eleições”. Para Sanders, os cortes nos programas sociais representam uma sentença de morte para os mais pobres.

O parlamentar do estado de Vermont citou estudo conjunto das universidades Yale e da Pensilvânia que estima a morte desnecessária de mais de 50 mil norte-americanos por ano caso os cortes em saúde sejam implementados. “Estamos tirando comida da boca de crianças famintas para dar isenções fiscais ao senhor Bezos, ao senhor Musk e ao senhor Zuckerberg”, disse.

O democrata também comparou o projeto à política de saque: “Este projeto é literalmente uma sentença de morte para pessoas de baixa renda e da classe trabalhadora.” Além dos impactos em saúde e nutrição, Sanders criticou os cortes de US$ 350 bilhões em educação, os subsídios ao setor bélico e o desmonte dos investimentos em energia limpa.

Na tentativa de reduzir os impactos políticos da proposta, o governo incluiu algumas medidas simbólicas. Entre elas, estão a isenção de impostos sobre gorjetas e o depósito de US$ 1.000 em contas públicas para recém-nascidos. Sanders classificou essas medidas como insuficientes e desproporcionais frente ao desmonte de direitos estruturais.

Resistência republicana expõe impasses na Câmara dos Deputados

Após a aprovação no Senado, o projeto segue para a Câmara dos Deputados, onde a base republicana também está dividida. A maioria do partido é estreita — 220 a 212 — e vários parlamentares já se posicionaram contra as mudanças feitas pelo Senado, sobretudo os cortes adicionais no Medicaid e a revogação dos incentivos à energia verde.

De um lado, o Freedom Caucus — ala mais conservadora do partido — acusa a proposta de não ter ido longe o suficiente nos cortes. De outro, parlamentares moderados alertam para o risco de impacto negativo sobre suas bases eleitorais, sobretudo em áreas rurais e estados com população empobrecida. Mesmo o presidente da Câmara, Mike Johnson, reconheceu que “o Senado foi além do que muitos preferiam”.

Johnson afirmou à Fox News que pretende votar o texto ainda nesta semana, “dependendo das tempestades” que afetam a região de Washington. A meta do governo é sancionar o projeto até 4 de julho, data nacional em que os EUA celebram sua independência. A escolha do prazo reforça o uso político e simbólico do projeto como “legado” do trumpismo.

A expectativa é de que a votação ocorra entre quarta e sexta-feira. Para pressionar os dissidentes, a Casa Branca já mobiliza lideranças partidárias e articula diretamente com deputados indecisos. “O presidente disse que esse é o projeto dele. Não é da Câmara nem do Senado. É o projeto do povo americano”, declarou Johnson.

Um pacote regressivo ancorado em dívida e militarismo

O impacto fiscal do projeto é um dos pontos mais sensíveis. Segundo o CBO, o pacote aumentará a dívida pública dos EUA em quase US$ 4 trilhões na próxima década. O texto também eleva em US$ 5 trilhões o teto legal da dívida federal, já superior a US$ 36 trilhões. Mesmo senadores fiscalistas que defendem austeridade acabaram recuando e votando a favor.

O senador Rand Paul denunciou a contradição: “O Congresso deveria aumentar o limite em parcelas menores para manter a pressão por cortes de gastos.” Já Ron Johnson, que prometera votar contra sem cortes mais profundos, acabou apoiando a versão mais cara e mais agressiva contra o Medicaid. No total, foram 48 horas seguidas de negociações no plenário.

A proposta destina US$ 160 bilhões ao Departamento de Defesa e mais US$ 170 bilhões para repressão migratória. Segundo o Washington Post, trata-se de uma das maiores alocações já feitas para a segurança interna. Parte desses recursos será usada no projeto de escudo antimísseis continental chamado “Golden Dome”, promessa da campanha trumpista.

A líder do Yale Budget Lab, Natasha Sarin, resumiu o caráter do pacote: “A maneira correta de entender este projeto é que ele representa a maior transferência de riqueza dos americanos mais pobres para os mais ricos na história moderna.” A frase ecoa a crítica de Bernie Sanders: “Este projeto será pago com vidas humanas.”

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