Ataque à soberania: Itamaraty reage ao apoio dos EUA a Bolsonaro
Diplomacia brasileira reage à nota da embaixada dos EUA em apoio a Jair Bolsonaro, e governo Lula reforça: a defesa da democracia é assunto do povo brasileiro
Publicado 09/07/2025 16:52 | Editado 09/07/2025 19:34

O Ministério das Relações Exteriores convocou, nesta quarta-feira (9), o encarregado de negócios dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos sobre uma nota considerada inaceitável e intervencionista, publicada pela embaixada norte-americana em Brasília. O comunicado oficial expressa apoio explícito ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atacando diretamente o sistema de Justiça brasileiro e classificando o processo legal contra o político de extrema direita como uma “perseguição política”.
A atitude provocou forte reação no Itamaraty e escancarou, mais uma, vez a postura historicamente intervencionista dos Estados Unidos nos assuntos internos de países da América Latina — postura essa que, no caso brasileiro, tenta minar o processo democrático em nome de interesses geopolíticos e ideológicos.
Trump e a embaixada dos EUA: coro de desinformação
A crise diplomática se agravou após a embaixada dos EUA reiterar, na manhã da mesma quarta-feira, o apoio do ex-presidente Donald Trump a Bolsonaro. A nota afirmou que a “perseguição política” contra o ex-presidente brasileiro e seus apoiadores é “vergonhosa” e “desrespeita as tradições democráticas do Brasil”.
Dias antes, Trump havia usado sua rede social, a Truth Social, para afirmar que Bolsonaro está sendo vítima de uma “caça às bruxas”, e que o único julgamento legítimo seria “pelas urnas”. Ignorando completamente as evidências de crimes investigados, a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro e o descrédito sistemático do sistema eleitoral brasileiro, o ex-presidente norte-americano tratou o processo judicial como um ataque político. Trump também foi investigado por motivos semelhantes nos EUA.
Mais do que palavras, as declarações expõem a articulação de uma ala ultraconservadora dos EUA — liderada por Trump — que, incomodada com o fortalecimento do Brics e a crescente projeção do Brasil sob a liderança de Lula, tenta sabotar o avanço do multilateralismo global com ameaças, bravatas e ataques à soberania dos países do Sul global. Na última semana, o Brasil sediou e presidiu a cúpula do Brics, com relevantes deliberações do grupo de países.
Lula responde: o Brasil não aceita tutela
Sem citar nomes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu com firmeza à tentativa de ingerência: “A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja.”
Lula reforçou que o país possui “instituições sólidas e independentes” e afirmou, de forma categórica, que “ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o Estado de Direito”.
A resposta foi vista por diplomatas e analistas como necessária e pedagógica, diante de uma escalada retórica por parte de Trump e de setores alinhados com a extrema direita global, que buscam deslegitimar sistemas democráticos fora de seus territórios, especialmente quando esses contrariam seus interesses geopolíticos e comerciais.
A disputa de fundo: Brics, desdolarização e soberania global
O timing da declaração da embaixada norte-americana não passou despercebido: ela ocorreu durante a 17ª Cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro. O encontro teve como pauta central o fortalecimento da cooperação entre países emergentes, a busca por novos arranjos financeiros internacionais e a ampliação do uso de moedas locais nas trocas comerciais — medidas que representam um claro desafio à hegemonia do dólar e ao domínio geoeconômico dos EUA.
Lula foi enfático: “É uma coisa que não tem volta. Isso vai acontecendo aos poucos, até ser consolidado”, disse, referindo-se à desdolarização.
A aproximação crescente entre Brasil, China, Rússia, Índia, África do Sul e novos países-membros (como Indonésia e Irã) representa um modelo alternativo de relações internacionais — baseado na soberania, na multipolaridade e na cooperação horizontal. É esse modelo que assusta Washington, e especialmente Donald Trump, que ameaçou inclusive impor tarifas punitivas de 10% a países que se alinhem ao “antiamericanismo do Brics”.
Uma história que se repete — e que precisa acabar
Não é a primeira vez que os EUA tentam interferir nos rumos políticos brasileiros. Do apoio velado ao golpe de 1964 à complacência diante do impeachment sem crime de responsabilidade de Dilma Rousseff em 2016, passando pelo lawfare da Lava Jato com a cooperação de procuradores brasileiros e o FBI, o histórico é extenso — e sempre favoreceu interesses norte-americanos.
O episódio atual escancara a continuidade dessa lógica imperial. Mas o Brasil de 2025 não é o mesmo. Com maior inserção internacional, apoio popular e um governo comprometido com a democracia, o país mostra que não aceitará passivamente chantagens ou tutelas.
A tentativa de Trump de transformar Jair Bolsonaro — um político inelegível, investigado por tentativa de golpe e desinformação criminosa — em mártir internacional, só reforça o caráter neocolonial dessa retórica. E encontra na soberania brasileira, e na resistência dos movimentos sociais, uma barreira cada vez mais sólida.