Golpes com anúncios pagos reforçam urgência de regulação na internet

Casos como o da falsa mensagem dos Correios, disseminada por patrocínio no Gmail, do Google, provam que espaço virtual desregrado só é bom para aumentar lucro das big techs

Imagem: reprodução/Canva

A cada dia, brasileiros lidam com novas fraudes disseminadas via redes sociais, aplicativos de mensagens e e-mail. Uma delas é o envio de falsos comunicados, emitidos em nome de empresas conhecidas e com credibilidade. Para piorar, essas fraudes ainda são patrocinadas — ou seja, os golpistas pagam gigantes como Google e Meta, para que suas iscas cheguem a mais pessoas dentro do perfil buscado pelos criminosos, via plataformas virtuais.

Recentemente, foi mostrado que mensagens usando a marca e o símbolo dos Correios têm sido disparadas para milhares de e-mails. Em geral, a fraude consiste em comunicar o usuário sobre uma suposta encomenda retida. Ao clicar no link, a vítima é induzida a digitar informações pessoais, que depois são usadas para outros golpes, ou tem seu dispositivo invadido para outras ações criminosas.

A prática, conhecida como “pishing”, não é nova, mas tem se sofisticado e ampliado seu alcance com a ajuda das ferramentas de impulsionamento ou patrocínio, seguindo a mesma lógica de outros crimes virtuais aplicados em redes sociais.

Sobre o pagamento dos anúncios, o Google, dona do Gmail, declarou, ao Jornal Nacional, que “tem políticas de publicidade que os anunciantes devem seguir, e que usa uma combinação de revisão humana e inteligência artificial para identificar possíveis violações; e que só em 2024 removeu mais de 200 milhões de anúncios”.

A empresa, aliás, foi obrigada recentemente, via liminar concedida pela 15ª Vara Cível de São Paulo, a retirar anúncios da plataforma Google Ads que usavam o nome de uma empresa para aplicar golpes.

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No entanto, o fato é que esse tipo de crime corre solto em meio à falta de regulação. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada hora, oito mil brasileiros são vítimas de golpes digitais. Desse universo, cerca de 4,6 mil pessoas são alvos de tentativas de golpe via mensagens ou ligações.

Essa situação reforça a necessidade de o Brasil ter, o quanto antes, uma legislação que regulamente o negócio das big techs. Decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet contribui neste sentido ao estabelecer a responsabilidade das empresas em determinados casos, mas não é suficiente para lidar com os vários tipos de crime consumados via redes, graças à omissão das empresas de tecnologia.

“As big techs, como empresas, buscam o lucro. E cabe ao Estado brasileiro proteger a população, função na qual está falhando. Neste caso específico, o golpe está inserido no guarda-chuva da defesa cognitiva, que é a capacidade de uma população ter conhecimento e se tornar resiliente perante esse tipo de ataque”, explica Isabela Rocha, coordenadora do Grupo de Trabalho em Estratégia, Dados e Soberania do Grupo de Estudos e Pesquisas em Soberania Internacional da Universidade de Brasília (UnB).

Para além da regulação do ambiente virtual, ela defende que as plataformas devem ser auditáveis e que a internet seja soberana. “Gosto de trazer o exemplo da Rússia e da China, que têm uma internet soberana. Isso significa que os dados produzidos nos seus territórios estão necessariamente nesses locais. Então, quando um crime acontece, eles conseguem rapidamente averiguar o que está ocorrendo, fazer o processo de auditoria e, de fato, prender quem está cometendo o crime”.

Relator do projeto de lei 2630/20 — conhecido como PL das Fake News —, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) reforçou, em seu perfil, “que as big techs estão faturando alto com anúncios fraudulentos e campanhas de ódio que atacam a democracia e colocam as pessoas em risco”.

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Ele completou dizendo que “o golpe do Pix, o e-mail falso dos Correios, o racismo dos algoritmos…Tudo isso tem um mandante: a falta de regulação e o interesse econômico de poucas empresas”.

A proposta relatada pelo parlamentar previa o estabelecimento de uma série de regras para evitar crimes e abusos nas redes sociais, mas teve sua tramitação barrada, em 2023, após forte atuação do lobby das redes, com o apoio da extrema direita.

Atualmente, o governo Lula tem buscado maneiras de retomar o debate e formatar uma proposta e já sinalizou que espera enviar um novo projeto de lei ao Congresso ainda neste semestre. O objetivo é responsabilizar as plataformas por crimes como pedofilia, estímulo ao suicídio, violência contra mulheres e divulgação de conteúdos falsos.

Em declaração recente sobre o tema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva salientou: “É preciso que a gente discuta, com o Congresso Nacional, a responsabilidade de regular o uso das empresas nesse país. Não é possível que tudo tenha controle, menos as empresas de aplicativos. É importante que a gente comece a cuidar do povo brasileiro com um pouco mais de carinho”.