"127 Horas": Áridos Tempos

Filme sobre alpinista que fica preso na fenda de uma rocha em Utah, EUA, faz diretor britânico Danny Boyle ampliar história que caberia no formato televisivo

            A história do alpinista Aron Ralston, em si, tratada pelo diretor britânico Danny Boyle, em “127 Horas”, é daquelas de fazer o espectador refletir sobre os limites do homem. Não que isto já não tenha sido feito com mais eficiência. Basta apenas um exemplo recente: “Na Natureza Selvagem”, que Sean Penn retirou do episódio ocorrido com o jovem Christopher MCCandlesse (Emile Hirsch), que sucumbiu aos efeitos de uma planta venenosa nas florestas do Alaska no início da década de 90. É quase um lugar comum no cinema, não fossem os exemplos dos alpinistas que sucumbem nas montanhas geladas africanas ou asiáticas. E dão mais veracidade a uma obra que caberia, quando muito, num eficiente filme para a televisão.

             Boyle, que já teve seus instantes de inspiração em “Trainspotting”, tendo feito uma incursão por Bolywood, a fábrica de sonhos indiana, com “Quem Quer ser um Milionário”, enfrenta o desafio de tornar emocionante o acidente com o alpinista estadunidense Aron Ralston. Preso durante 127 horas, a partir de 15/04/2006, numa fenda da cadeia de montanhas de Utah, ele suporta dores, passa por delírios, até descobrir que, numa situação-limite, tinha de agir antes que a morte o colhesse. A partir deste caso, Boyle e seu roteirista Simon Beaufoy articulam uma narrativa em que entram não só os fenômenos naturais como o uso de uma tecnologia inútil para salvá-lo.

          Ralston, feito por um James Franco juvenil, indiferente ao que se passa ao redor, salvo pela conversa com as trilheiras Kristi (Kate Mara) e Megan (Amber Tamblyn), parece, em princípio, mais um “curtidor” do que um esportista conhecedor das armadilhas da natureza. Seus apetrechos de alpinista, como ele desabafa depois, são de segunda linha. O canivete, crítica aos baratos produtos chineses, não consegue ajudá-lo a se livrar da enrascada em que foi posto. E, ao contrário do que se imagina, não tem nem sequer como se comunicar com o mundo exterior. E ele mesmo, Ralston, ri de seu infortúnio. Boyle e Beaufoy usam o humor para amenizar suas agruras, enquanto ele busca alternativas; sabendo desde já serem impossíveis.

          Seu bom humor vai se arrefecendo a medida que os dias e as horas passam. Ambos são compartimentados por Boyle para ligar o espectador ao personagem, gerando um suspense às vezes frágil. Pois o que importa a ele, espectador, é o desfecho das 127 horas, selado pela atitude radical de Ralston. Este é na verdade o centro da magia de Boyle para justificar a rala história de seu filme, sem fios para além do que o espectador já prenuncia. Uma espécie de auto-sacrifício, contada por Ralston em “Entre a Rocha e o Espaço Inóspito”, de onde Boyle e Beaufoy retiraram sua narrativa, que tem muito de autopunição, pelos motivos já expostos.

Diretor recheia
filme de flashbacks

            Além disso, Boyle cerca-se de uma série de fios para levar adiante a narrativa. Dentre eles os repetidos flashbacks da indiferença dos pais, do afastamento círculo familiar e dos temores de Ralston de ser tragado pelas armadilhas da rocha. Uma delas, o medo de a fenda ser inundada pela água de chuva, o único instante de suspense real do filme. E a tentativa de se valer de mitos – a aparição de Sundance Kid, o assaltante, que segundo Ralston, escondia-se naquelas grutas. E mostrar, em mais uma brincadeira do solitário prisioneiro, seu desapreço pelo “herói americano”. Este, sim, simbolizado pelo próprio Ralston, como um fracasso. E não há simbologia mais apropriada para a decadência dos EUA: a do herói que não consegue escapar da armadilha da natureza, tão presentes nos filmes de mocinho.

          Se a trama tem algo de filme televisivo, sem nenhum preconceito, mas apenas para situar que o cinema demanda tratamento mais complexo, profundo, contundente e inovador, por mais que isto esteja hoje difícil, Boyle introduz um elemento que funciona: o de transformar a câmera de vídeo de Ralston num segundo personagem. E uma espécie de escada para o protagonista. É com ela que ele fala, desabafa, deixa seu testamento, demonstra suas fraquezas. É como se Boyle e ele, Ralston, dissessem nada mais escapa à imagem, ao registro, ao ditame da história. Permite, inclusive, que Ralston conviva consigo mesmo. Mas a imagem, nesse caso, é só uma imagem, ela não criar fato ou lança soluções.

           O que prevalece, no filme e na realidade, é a natureza com suas armadilhas, seus códigos, seu ritual, na bela paisagem desértica, vista muitas vezes nos faroestes. Com suas montanhas, vales, desfiladeiros, ela, por mais que seja desbravada, continua traiçoeira, difícil, perversa. Que o diga o próprio Ralston. Não se sabe por que “127 Horas” chamou tanta atenção. Talvez pelo auto-sacrifício do ainda esportista Ralston, que continua a circular pelo mesmo cenário e a necessidade de Hollywood levar para a tela histórias pessoais como esta e o povo estadunidense estar precisando de heróis. Nestes áridos tempos, eles se tornaram inúteis ou desmistificados pela máquina imperialista estadunidense, que não consegue mais criá-los. O que é ótimo para o planeta.

127 Horas”. “127 Hours”. Drama. Reino Unido/EUA. 2010. 93 minutos. Roteiro: Danny Boyle, Simon Beaufoy. Fotografia: Enrique Chediak/Anthony Dod Mantle. Direção: Danny Boyle. Elenco: James Franco, Kate Mara, Amber Tamblyn.

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