A arte de viver
Podemos construir à nossa volta mundos belos ou horríveis, conforme nossa apetência ou inapetência para a beleza ou a deformidade. Há uma sabedoria de viver, que implica em exercitar a arte de ver, falar e de escutar. Podemos construir em nós dons harmoniosos de Ser. A arte de ver passa pelo escolher fitar o que é mar-avilhoso, não ver o que é horrível, disforme ou miserável.
Publicado 19/01/2010 11:14
A arte de ver buscar não perder de vista o prisma da magnificência infinita da Vida. Ver o que é conforme as formas harmoniosas e belas da natureza. Não ver o que é grotesco ou disforme, doentio ou mórbido. Pois entregar-se costumeiramente ao feio vira vício do qual não se escapa. Ver o que é belo e amorável – não viver no mórbido desprazer de ver o que horripila.
A arte de ver e viver a vida é não vê-la ofuscada por nuvens de ilusões fascinantes e vazias. Não focá-la pelas lentes sinistras e escuras dos que insistem em viver as horas da sua morte, e não o milagre da sua vida. É não enquadrá-la como inevitável e eterno estado de tristeza, impotência ou limitação.
Há também uma arte de escutar, que passa pelo escolher o silêncio, em vez de optar pelos momentos, pessoas, movimentos frenéticos e dissonantes. É não viver a produzir ruídos irritantes, em tentativa de distrair-se de si, ou de trair a si mesmos, para evitar o mínimo contato com a voz silenciosa e pacífica que neles habita. Na forma como ouço, julgo, falo e ajo.
Saber ouvir é um dom a ser cultivado. Saber escutar é se libertar para saber julgar e falar. Não ouvir com ouvido julgador, injusto ou imprevidente, é também exercitar a arte de escutar. Quando nos vêm perguntar sobre nós com insolência ou insinuante e pérfida maldade, responder com uma pergunta: por que você quer saber?
A arte de falar não é algo fácil de aprender. Devemos falar o que é agradável aos ouvidos. Entre uma verdade agradável e outra, desagradável, preferir falar a que é agradável – mas sem manipular ou falsear, e sem fazer consórcio ou concílio com a mentira ou a meia-verdade.
Deve-se falar o que é agradável aos ouvidos, o que é amorável e delicado. Não proferir o que é ruído. Não ser do tipo boca de cemitério, que só dá notícias terríveis. Não desmanchar rodas de bêbados, com o péssimo costume de ser boçal e azedo. Assim como eu vejo, falo e escuto, eu me exprimo, e constituo o Som que Eu Sou neste mundo.
A pessoa afeita a produzir ruídos assim o faz para dis-trair-se em sua mediocridade de alma. Como tem a mente barulhenta, tem de produzir enervante ruído onde esteja. Assim ela se deleita na inavegação de si própria. Enquanto o vulgo fala, o sábio cala. Falar é da língua, calar é da alma. “Os homens saem das cidades para descansar, mas levam seus ruídos para as matas, chácaras, rios e montanhas, lugares em que poderiam ouvir coros e orquestras de melros, curiós, sabiás, periquitos e maritacas”, escreveu o professor-poeta José Fernandes.
Além de que nestes lugares escutar o silêncio, que é sinfônico em si próprio. Pois na síndrome do barulho em que vivemos achamos que para ser escutados por Deus, devemos orar aos berros, sob o escândalo de baterias e guitarras estridentes, expulsando a paz em overdose de decibéis.