“A Árvore”: cruel fantasia

Em filme que equilibra fantasia e realidade, diretora australiana Julie Bertuccelli trata da perda do pai e do difícil recomeço enfrentado pela família.

“A Árvore”, da diretora australiana Julie Bertuccelli, é daqueles filmes que estabelecem um jogo com o espectador, levando-o a ficar em suspenso com o que vê na tela. Se duvidar que a projeção feita pela garota Simone O´Neil (Morgana Davies), de oito anos, é uma embromação, nada fará sentido. Pois a história é de uma simplicidade que quase desanda para a pura fantasia. Após a morte do pai num acidente, ela passa a ouvir sons indicando a presença dele. E chega atrair a mãe Dawn O´Neil (Charlotte Gainsbourg) para a crença de que ele se transformou num anjo.

Esta é, enfim, a proposta deste belo filme, que se passa no interior da Austrália. Não se trata de alegoria ou realismo fantástico, com a árvore incorporando o pai de Simone. Mas de sua busca para compensar a perda daquele com o qual se relacionava às maravilhas, numa fase de idade em que ele era seu herói. E a gigantesca figueira, cujas raízes ultrapassam o terreno dos O´Neil, pondo em risco as casas de madeira ao redor, se presta à compensação.

Ruídos, toque do vento nos galhos e folhas, levam-na a traduzir o que imagina a garota. Inclusive a voz e a presença do pai. Como acontece nesse tipo de história, os adultos dificilmente embarcam na fantasia infantil. E só por insistência consegue atrair alguém para suas projeções. Assim mesmo porque a mãe também sofre com a perda do marido e é obrigada a ajudar os outros três filhos, Tim, Lou e Charlie, a superar a ausência dele. E ambas terminam pôr se lançar numa fantasia cujas consequências são imprevisíveis.

Com uma história aparentemente frágil, baseada no livro “Nosso Pai que transformou a árvore em arte”, de Judy Pascoe, Bertuccelli e sua co-roteirista Elizabeth J. Mars conseguem armar um roteiro que mescla a fantasia de Simone às dores e procuras de Dawn. E tudo gira em torno da figueira, a casa dos O´Neil e os conflitos interiores de ambas. Apenas Tim (Christian Byers), de 16 anos, constrói seu próprio caminho, independente da morte do pai. Quando este universo se vê ameaçado pela vizinhança, amedrontada pelas extensas e grossas raízes da figueira, a fantasia cede lugar à realidade.

Filme trata da difícil defesa da natureza

O filme ganha atualidade ao trazer à tona a questão da preservação da natureza. Então Simone, vendo seu refúgio ameaçado a ponto de retirar dela o restava de “contato com o pai”, defende-a com todo vigor. É uma sequência emocionante, pois o espectador, ganho pela garota, hesita entre sacrificar a árvore ou ser solidário à Simone. Mas pela condução dada por Bertuccelli a razão sempre se impõe. Ainda mais que, ela, a diretora/roteirista, a cada sequência desmonta a suposta fantasia da garota de oito anos.

Simone, como personagem, é cheia de nuances. Às vezes mergulha num verdadeiro conto de fadas ou adentra o mundo real com a colega de escola. Encenam os problemas enfrentados pelos adultos sem traço algum de ficção. É um verdadeiro psicodrama. E resvala para o ódio quando despeja sobre George Elrick (Merton Csokas), namorado da mãe, seu ciúme infantil. Ele encarna a um só tempo o rival do pai, a ameaça a sua fantasia e, principalmente, a manutenção da figueira, com tudo de mal que ela passa a representar. É um adversário à sua altura, enfrentado por ela sob o risco de sua própria existência.

Mas o filme é, sobretudo, sobre as agruras de uma jovem mãe para sobreviver à ausência do companheiro. E Dawn passa de frágil viúva para “mãecoragem”. O interregno de seu caso com George só reforça sua luta para mergulhar na fantasia da filha, criar seu espaço e manter a família a salvo do mundo exterior, inclusive da fúria da natureza. Transforma-se num personagem de tragédia grega, disposta a sacrificar o amor por George em favor dos filhos. Bem ao estilo destes tempos de família liderada pela mulher.

Na última parte do filme, a figueira cede espaço ao drama humano, deixando de ser refúgio para as compensações de Simone para se transformar em ponto de desequilíbrio. Bertuccelli, talvez para não tomar partido entre a ação do homem e a manutenção da fantasia de Simone, termina por encontrar um desfecho equilibrado. Numa longa sequência mostra que nada está seguro, nem a própria figueira ou tampouco a casa, símbolo da segurança e da unidade da família. A árvore que era abrigo e não podia ser cortada tem suas raízes viradas para o ar, enquanto a casa é feita ruínas.

O realismo desta sequência e a direção segura de Bertuccelli evitam que “A Árvore” caía no simplismo do “filme catástrofe”. A figueira como símbolo é destruída para que a família se reencontre e parta para se reconstruir. Não nos termos normais, porém com uma mudança que também abre possibilidade para recomeços, sem definir um happy end. Enfim, se o espectador tiver paciência pode ser recompensado com subtextos, imagens poderosas e a sensibilidade rara para tornar personagens aparentemente desconectados com a realidade em seres de carne e osso.

Ficha técnica

“A Árvore” (“L´Arbre”). Drama. França/Austrália. 2010. 100 minutos. Roteiro: Julie Bertuccelli. Roteiro Original: Elizabeth J. Mars, baseado no livro “Our Father Who Art in the Tree”, de Judy Pascoe. Direção: Julie Bertuccelli. Elenco: Charlotte Gainsbourg, Marton Csokas, Morgana Davies, Christian Biers.

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