A caatinga é nossa!

Quando Euclides da Cunha descreveu a figura do sertanejo em seu clássico livro “Os Sertões”, referiu-se ao caboclo que, inserido no ambiente da Caatinga (do tupi-guarani, “mata branca”), teve que aprender a viver neste espaço geográfico que é diferente de todos os outros existentes.

Com uma vegetação extremamente adaptada para resistir às condições intensas de seca e calor, com aproveitamento e eficiência no uso da água altamente evoluído, é esse bioma, antes de tudo, um forte. E mais que isso, é o único bioma genuinamente brasileiro.

A Amazônia, realmente é nossa. Mas também pertence à Bolívia, ao Peru, Colômbia, Equador, Venezuela e outros países na América Central. O Pantanal se estende por Bolívia e Paraguai; o Pampa abarca grandes extensões do Uruguai e da Argentina; o Cerrado tem franjas na Bolívia e no Paraguai e a Mata Atlântica chega até a Argentina.

A Caatinga, portanto, é integralmente brasileira. E não há nenhum nacionalismo barato ou algum ranço xenófobo em tal afirmação, muito pelo contrário, tão-somente vem manifestar a responsabilidade que o país tem de investigar esse peculiar bioma autenticamente verde e amarelo. Cabe ao Brasil liderar o estudo desse patrimônio natural que, a despeito de abrigar uma população detentora dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) de todo o planeta, é riquíssimo em biodiversidade e guarda segredos incríveis. A propósito, já foi dito que o problema no semi-árido não é a seca, mas as cercas.

A Caatinga é muito recente. Há dez mil anos, com o fim da era glacial, o que antes era uma floresta tropical se transformou no que é hoje a nossa Caatinga. Prova disso são as pinturas rupestres de animais típicos da Amazônia que podem ser vistos no Sítio Arqueológico da Serra da Capivara, no sul do Piauí. No Museu do Homem Americano é possível ver os fósseis de preguiças gigantes e outros animais que viveram nas densas florestas que abundavam a atual região do semi-árido nordestino.

E onde reside a fortaleza da Caatinga? Em vários aspectos, sobretudo sua vegetação, a partir do desenvolvimento de um metabolismo fotossintético diferente da grande maioria das plantas do planeta. O metabolismo ácido das crassuláceas, conhecido como metabolismo CAM (da abreviação do inglês) ou MAC (em português) é a forma mais eficiente da planta economizar água, abrindo seus estômatos para captação de CO2 (substrato básico para a fotossíntese) apenas à noite, já com a temperatura menor e, com isso, diminuindo sensivelmente a perda de água por transpiração.

Em outras palavras, é a maior demonstração de que mais importante que combater a seca, é saber conviver com ela (sem contradição com obras e ações de captação e transposição de águas). E é nesse sentido que recursos financeiros não devem ser poupados para se estudar mais e melhor esse bioma sui generis. A iniciativa deste trabalho deve partir de nós mesmos, sem a esperança de que outros países o façam. Mesmo porque, os mais interessados nesta escalada científica na Caatinga são os mais de vinte milhões de brasileiros que vivem nesta região que corresponde a 10% do território nacional.

A palma forrageira, tão bem estabelecida como alimento volumoso para rebanhos bovinos e caprinos no semi-árido, é apenas um exemplo do potencial de se explorar as diversas espécies adaptadas à região, apostando no melhoramento genético destas e outras espécies.

Talvez assim, um dia, a Caatinga possa ser alvo da cobiça estrangeira. Mas essa ameaça terá que ser enfrentada pelas futuras gerações. O nosso dever, urgente, é torná-la cada vez mais viável a milhões de brasileiros.

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